A verdade e o poder
Eduardo
Mattos Cardoso*
Fazer uma reflexão sobre verdade não
é tarefa fácil, pois está revestida com toda a roupagem significativa do bem e
do justo. Aquilo que é verdadeiro parece que eticamente não se questiona. No
seu lado sombrio parece se alojar o poder que carrega o estigma do mal. Ele
aparece como responsável último por quase todos os vícios e paixões humanos que
vão desde a ambição até a opressão, passando pela inveja, o ódio etc.
Estes modelos conceituais da verdade e
do poder parecem consolidados como verdades naturais. Porém, eles são símbolos
culturais que instituímos para nossas práticas. Verdade e poder parecem dois
conceitos irreconciliáveis, porém nada mais são do que dois símbolos
inseparáveis.
Num primeiro momento temos que despojar
a verdade de suas vestes de inocência, pois toda a verdade – seja ela qual for
– produz efeitos de poder. Isso significa que a verdade, quando aceita pelos
sujeitos, provoca efeitos de poder sobre suas vidas. Ou seja, a verdade tem o
poder de influenciar a conduta dos sujeitos e das sociedades. Para Castor Ruiz,
“as verdades socialmente aceitas têm o poder de induzir o comportamento das
pessoas”. É assim que uma verdade, quando se consolida como uma verdade para
uma pessoa ou para um grupo, tem efeitos de poder sobre eles.
Por sua vez, todo dispositivo de
poder produz formas de verdade para se legitimar socialmente. O poder é uma
fonte de produção de verdades, pois todo poder se consolida socialmente quando
as verdades por ele produzidas são amplamente aceitas. Não existe dispositivo
de poder que não produza formas de verdade, nem verdades que não produzam
efeitos de poder.
Um exemplo para esclarecer melhor: o
conceito de liberdade liberal está constituído como uma verdade vinculada ao
amplo e irrestrito exercício de nossos desejos. Segundo esse símbolo de
liberdade, quanto mais conseguirmos realizar o que desejarmos, mais livres
seremos. Com base nesta verdade amplamente aceita, os dispositivos de poder do
capitalismo faz décadas que investiram maciçamente na produção dos desejos dos
indivíduos. Hoje uma imensa constelação de saberes e de profissionais se
dedicam a estimular desejos, a produzir necessidades, a provocar anseios, a
fabricar sonhos, etc. A maioria dos indivíduos não se questionam sobre como
esses desejos, e as necessidades subsequentes, surgiram e amadureceram neles. Como
diz Castor Ruiz, “ao acreditarem que são livres realizando seus desejos,
procuram satisfazer aquilo que desejam, geralmente possuindo coisas, dando-se o
paradoxo de que quanto mais desejos realizam mais se sujeitam aos dispositivos
de poder que provocaram esses desejos. O paradoxo é maior porque quanto mais
desejos realizam mais livres se sentem, quando na verdade esse modelo de
liberdade os sujeita mais estreitamente aos dispositivos de poder responsáveis
pelas verdades dos seus desejos”. E agora, o que é verdade?
*Professor
Mestre em História