segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

O que a morte não cessa de nos dizer
A dor provocada por tragédias como a ocorrida neste final de semana na cidade de Santa Maria sacode a sociedade como um terremoto, despertando alguns de nossos melhores e piores sentimentos. Um acontecimento brutal e estúpido que tira a vida de 233 pessoas joga a todos em um espaço estranho, onde a dor indescritível dos familiares e amigos das vítimas se mistura com a perplexidade de todos os demais. Como pode acontecer uma tragédia dessas? A boate estava preparada para receber tanta gente? Tinha equipamentos de segurança e saídas de emergência? Quem são os responsáveis?

Essas são algumas das inevitáveis perguntas que começaram a ser feitas logo após a consumação da tragédia? E, durante todo o domingo, jornalistas e especialistas de diversas áreas ocuparam os meios de comunicação tentando respondê-las. As redes sociais também foram tomadas pelo evento trágico. Os indícios de negligência e falhas básicas de segurança já foram apontados e serão objeto de investigação nos próximos dias. Mas há outra dimensão desse tipo de tragédia que merece atenção.
É uma dimensão marcada, ao mesmo tempo, por silêncio, presença e exaltação da vida. O governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, disse na tarde deste domingo que o momento não era de buscar culpados, mas sim de prestar apoio e solidariedade às milhares de pessoas mergulhadas em uma profunda dor. Não é uma frase fácil de ser dita por uma autoridade uma vez que a busca por culpados já estava em curso na chamada opinião pública. E tampouco é uma frase óbvia. Ela guarda um sentido mais profundo que aponta para algo que, se não representa uma cura imediata para a dor, talvez expresse o melhor que se pode oferecer para alguém massacrado pela perda, pela ausência, pela brutalidade de um acontecimento trágico: presença, cuidado, atenção, uma palavra.
Quem já perdeu alguém em um acontecimento trágico e brutal sabe bem que o caminho da consolação é longo, tortuoso e, não raro, desesperador. E é justamente aí que emerge uma das melhores qualidades e possibilidades humanas: a solidariedade, o apoio imediato e desinteressado e, principalmente, a celebração do valor da vida e do amor sobre todas as demais coisas. A vida é mais valiosa que a propriedade, o lucro, os negócios e todas nossas ambições e mesquinharias. Na prática, não é essa escala de valores que predomina no nosso cotidiano. Vivemos em um mundo onde o direito à vida é, constantemente, sobrepujado por outros direitos. Tragédias como a de Santa Maria nos arrancam desse mundo e nos jogam em uma dimensão onde as melhores possibilidades humanas parecem se manifestar: o Estado e a sociedade, as pessoas, isolada e coletivamente, se congregam numa comunhão terrena para tentar consolar os que estão sofrendo. Não é nenhuma religião, apenas a ideia de humanidade se manifestando.
Uma tragédia como a de Santa Maria não é nenhuma fatalidade: é obra do homem, resultado de escolhas infelizes, decisões criminosas. Nossa espécie, como se sabe, parece ter algumas dificuldades de aprendizado. Nietzsche escreveu que muito sangue foi derramado até que as primeiras promessas e compromissos fossem cumpridos. É impossível dizer por quantas tragédias dessas ainda teremos que passar. Elas se repetem, com variações mais ou menos macabras, praticamente todos os dias em alguma parte do mundo e contra o próprio planeta.
Talvez nunca aprendamos com elas e sigamos convivendo com uma sucessão patética de eventos desta natureza, aguardando a nossa vez de sermos atingidos. Mas talvez tenhamos uma chance de aprendizado. Uma pequena, mas luminosa, chance. E ela aparece, paradoxalmente, em meio a uma sucessão de más escolhas, sob a forma de uma imensa onda de compaixão e solidariedade que mostra que podemos ser bem melhores do que somos, que temos valores e sentimentos que podem construir um mundo onde a vida seja definida não pela busca de lucro, de ambições mesquinhas e bens materiais tolos, mas sim pela caminhada na estrada do bom, do verdadeiro e do belo. A morte nos deixa sem palavras. Mas ela nos diz, insistentemente: é preciso, sempre, cuidar dos vivos e da vida.
(*) ILustração: Jean-François Millet/The Angelus
Crédito: rsurgente.opsblog.org

sábado, 26 de janeiro de 2013


O poder do dinheiro


Por Henrique Fontana

A cada eleição disputada sob as regras atuais fica mais evidente que o nosso sistema político necessita de profundas mudanças para manter sua legitimidade. Campanhas caríssimas e crescentemente influenciadas pelo poder econômico esvaziam o jogo político do sentido mais profundo da disputa democrática: a possibilidade de que todos os atores sociais, independentemente de sua condição econômica, possam influir no debate de ideias e projetos.
As campanhas viraram uma corrida do ouro para conquistar o voto do eleitor: ideias, programas, projetos e a visão dos candidatos estão sendo substituídos pela força do dinheiro. Em geral, candidatos com grande poder econômico têm enorme vantagem nesta injusta disputa eleitoral. Assim, a democracia de iguais fica cada vez mais distante e o poder econômico cada vez mais forte para determinar o resultado do processo eleitoral.
O volume de gastos nas campanhas tem sido decisivo na eleição de um candidato, apontam dados do TSE. Dos 513 eleitos para a Câmara, 369 foram os candidatos que mais gastaram nas campanhas de 2010. Os 513 eleitos gastaram, em média, doze vezes mais do que o restante dos candidatos (em alguns estados, trinta vezes mais). Os gastos declarados em campanhas eleitorais saltaram de R$ 800 milhões para R$ 4,8 bilhões em oito anos.
Aos céticos em relação ao uso de recursos públicos para as campanhas eleitorais devemos lembrar que o sistema vigente “cobra” caro do cidadão o retorno dos recursos privados despendidos. Esta cobrança pode vir embutida nos preços dos produtos vendidos à população pelas empresas financiadoras, de forma lícita, ou incentivar relações de interdependência, e às vezes até de promiscuidade, entre parlamentares ou governos e determinados interesses privados.
Prejudica-se profundamente nossa democracia porque paira sempre a suspeita de que, cedo ou tarde, a fatura será cobrada e os interesses privados se sobreporão aos públicos. O financiamento público exclusivo é uma das armas mais poderosas para combater a corrupção.
Portanto, para democratizar, dar mais independência aos eleitos, garantir espaços a todos os que desejem se candidatar e, principalmente, ampliar o combate à corrupção, defendemos o financiamento público exclusivo de campanhas. Porque possibilita um financiamento livre de interesses outros que não sejam os legítimos interesses de representação política.
Também permite aumentar a participação política de candidatos que não possuem recursos e diminuir a influência do poder econômico no sistema político. O financiamento público está definido por critérios claros e transparentes com um teto de gastos estabelecido e fiscalizável.

A Invenção de Torres

Eduardo Mattos Cardoso
Professor Mestre em História

          O Município de Três Cachoeiras emancipou-se de Torres em 1988. Graças ao desenvolvimento de Torres enquanto balneário, toda a região se modificou. Neste verão de 2013 se completa 100 anos em que um visitante trouxe sua família pela primeira vez para a então pequena Vila de São Domingos das Torres e começou a mudar sua história profundamente. Sua paisagem distinta e peculiar no estado sem dúvida ajudou na sua “invenção” como destino de veranistas.
Falo de José Antônio Picoral, pela consequência prática que sua ida ou ligação com Torres derivou. Nativo da Colônia São Pedro (colônia de destino de imigrantes alemães em 1826), mas radicado em Porto Alegre, trouxe a família para Torres no verão de 1913. Vieram de carreta viajando quatro dias. Arrendaram uma casa na Rua Júlio de Castilhos para passar a temporada.
No veraneio de 1914-1915, apesar da experiência da viagem do veraneio passado, mas lembrado do sacrifício da longa viagem, Picoral decidiu levar a família a Tramandaí. Mas arrependeu-se pelas deficiências que aí observou e pelo calor intenso que sofreu. Como era homem de ação imediata, resolveu levar adiante um velho sonho, o de transformar Torres num local turístico.
Porém, antes do fim da temporada em Tramandaí, em 28 de fevereiro de 1915, telegrafou ao Intendente da Vila de Torres, Coronel João Pacheco de Freitas, dizendo-se “convencido dá necessidade de desenvolvermos estação balnear nos altos daí. Pois a temperatura aqui é muito mais elevada, além de faltarem outros auxílios naturais”, o qual o Intendente Pacheco respondeu: “Feliz regresso. Estando de pleno acordo convosco acerca do assunto de que trata vosso telegrama de Tramandaí, fico aqui inteiramente às vossas ordens e rogo-vos recomendar à comadre e família. Abraços do amigo certo”.
Foi dessa maneira que anunciou o que seria chamado de o maior empreendimento turístico do Litoral Norte gaúcho da primeira metade do século XX. A Vila de São Domingos das Torres, a partir de 1913, não seria mais a mesma, tampouco o desenvolvimento do Município de Torres em geral que muito deve a esse empreendedor.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013


do blog rsurgente.opsblog.org

A sociedade justa e seus inimigos

“Retire a máscara dos principais inimigos da sociedade justa e descubra seus diversos mecanismos de proteção e ocultamento. Conheça a “Bolsa Rico”, que transfere recursos públicos para milionários rentistas, saiba por que o sistema tributário, altamente regressivo, é moldado para privilegiar o capital e facilitar a apropriação privada da riqueza, faça um tour pelos paraísos fiscais e examine legislações que favorecem práticas criminosas. Explore essas e outras artimanhas pouco conhecidas da realidade brasileira que nos permitem compreender as contradições que marcam o país, sexta potência econômica do planeta, mas ocupando uma vexatória posição entre os dez países com maior desigualdade social”.
Esse é o cardápio oferecido pelo livro “A sociedade justa e seus inimigos” (Tomo Editorial). Organizado por Antonio David Cattani (professor titular na graduação e pós-gradução de Sociologia da UFRGS) e Marcelo Ramos Oliveira (auditor fiscal da Receita Federal e especialista em Política e Técnica Tributária), o livro tem apoio do Instituto de Justiça Fiscal.

O Chapéu e o Zé

Eduardo Mattos Cardoso
Professor Mestre em História

            Escrever é uma dádiva do ensino. Escrever ao público é instigante. Tem os que me amam e os que me odeiam. O importante é ser elegante. Os que me amam são alfabetizados funcionalmente, acredito. Os que me odeiam..., tenho lá minhas dúvidas. Devem ter aprendido só letras, por isso não aceitam críticas. Detestam a verdade. Em se tratando de política então, nem se fala.
            Num município pequeno como Três Cachoeiras as pessoas acabam pessoalizando os debates. Tratam a política com maniqueísmo puro, ou seja, ou tu é a favor ou tu é contra. É a “grenalização” da política. Tradição gaúcha: ou se é chimango ou se é maragato.
            Verdade não se relativiza. Por isso a verdade dói. Bertolt Brecht, dramaturgo alemão de frases fortes, falecido em 1956, nos ajuda a refletir. Além de ser mais conhecido pelo poema “Analfabeto Político”, diz Brecht que “quem não conhece a verdade não passa de um tolo; mas quem a conhece e a chama de mentira é um criminoso.” Mas pondera dizendo: “Tenho muito o que fazer. Preparo meu próximo erro.” Todos somos humanos.
            A política pública é um de meus interesses primordiais neste espaço, com maior ênfase a da nossa cidade. Por isso minhas observações e críticas aos gestores de nosso município. Como não estão acima do bem e do mal, não são seres divinos e são mal assessorados, puseram o chapéu metaforicamente pelas observações que fiz no último artigo. Só falavam disso no aniversário!
            E o Zé, quem é? É o Zé Preto ora, pois. Eleito vereador, aliás, um dos mais legítimos, é muito querido pela população do município pelo serviço que presta como servidor público. Pois o Zé me confidenciou que teve sua rota de trabalho alterada sem seu consentimento, alegando o prefeito que era incompatível com sua função de vereador.
Que pequenez prefeito. A população não gostou. Mas como acredito na sua boa fé e humildade lhe aconselho a ter cuidado com uma “sombra” que sempre está na sua volta. Pode estar lhe induzindo a faltar com a verdade. Seja autêntico. De sombra já basta a das árvores.

sábado, 12 de janeiro de 2013


Município do diminutivo

Eduardo Mattos Cardoso
Professor Mestre em História - professoreduardocardoso.blogspot.com

          O novo prefeito de Três Cachoeiras tomou posse. Sorte para o Sr. Nestor Behenck Sebastião. Opa! Ninguém conhece por Nestor, é "Quartinho". Tomaram posse também vereadores e secretários. Para combinar com o apelido do prefeito estabeleceram a fara dos "inhos": ratinho, tigrinho e pelezinho. É a cidade dos pequeninos. É a cidade do diminutivo. Entre outros.
Diminuto também é o comportamento dessas autoridades empossadas. Pelo desempenho novelístico que tiveram na posse temos que estar preparados para tudo. Já afirmei aqui que nosso legislativo anterior tinha ótimos atores. O que se viu na posse atual foi além de ótimo, foi excelente. A capacidade de dramatização melhorou muito e a encenação de choros foi perfeita. Empossados e platéia.
  Se não fosse uma triste novela real estaria tudo bém, mas é. Mais um capítulo vergonhoso da história política recente de Três Cachoeiras. Quem pôde acompanhar pessoalmente ou pelo rádio a posse de nossos novos gestores públicos constatou momentos constrangedores, desabafos melancólicos e decepcionantes.
  Imagine você cidadão: vai fazer uma solicitação ao prefeito, vereador ou secretário e aí começa o choro, lágrimas escorrem. E respondem: não podemos fazer nada, deixaram tudo quebrado, sem dinheiro e estão nos perseguindo. E seus assessores começam também a chorar, o choro é geral e o cidadão começa a chorar também e acaba pensando: coitadinho do fulano, opa, do fulaninho.
  Pelo que se observa a nova administração está começando com traços de mediocridade e pequenez evidentes. Medíocre é o gestor eleito em um pleito vergonhoso e duvidoso e com visíveis atitudes de analfabetismo funcional. E pequeno é o político que, além de apelido diminutivo, se esconde atrás de lamúrios para comover as pessoas. É dissimulação pura. Continua a novela.
  Esperamos que o "clubinho" tome atitudes de gente grande. Porque a baixaria e o ato teatral já estrapolaram os limites desde a eleição. Ganharam, repartiram o botim da guerra. E agora senhores gestores, homens públicos eleitos: vão continuar murmurando, omitindo, atacando pessoalmente os administradores anteriores, fazendo de Três Cachoeiras um Municipinho, uma cidadezinha? Ou vão crescer e abandonar o diminutivo "inho" e fazer crer a população que são grandes pessoas e sérias? O começo não foi muito estimulador. Mas temos quatro anos pela frente. Tempo suficiente para provarem suas competências e suas grandezas.