terça-feira, 27 de agosto de 2013


Corporativismo e ideologia: os médicos cubanos
Juremir Machado da Silva


A rejeição à vinda de médicos estrangeiros para o Brasil é, em boa parte, corporativa. A rejeição à vinda de médicos cubanos é ideológica. Será ideologia contra ideologia? Tem muita gente acusando o governo brasileiro de querer trazer médicos cubanos somente para ajudar o parceiro socialista que vive à beira da miséria. Pode ser. Como duvidar dessa simpatia histórica? Há até quem, num surto de teoria conspiratória, entenda que é uma forma de preparar a revolução comunista no Brasil.

As críticas aos médicos cubanos dizem respeito, sobretudo, à capacitação.

Um país pobre como Cuba só poderia formar médicos de qualidade duvidosa. Os hiper-ideológicos, adversários do “ideologismo” petista favorável à vinda dos cubanos, não acreditam em competência de médico comunista, ainda mais de comunista cucaracha e cubano.

Alguns indicadores complicam essa leitura ideológica. Cuba, no IDH saúde, aparece em segundo lugar (0,94), atrás somente do Canadá (0,96). A expectativa de vida em Cuba é 79,3 anos, contra 81,1 no Canadá, 78,7 nos Estados Unidos e 73,8 no Brasil. No item mortalidade infantil, Cuba ganha de todo mundo, inclusive dos Estados Unidos, com menos de seis mortes por mil habitantes/ano. Cuba não é o paraíso. Liberdade não é o forte da ilha dos irmãos Castro. Está longe de ser o lugar ideal para quem gosta de polêmica ou de divergir do governo. Também não é um bom lugar para “minorias” como homossexuais. Há prisioneiros políticos e controle social. Cuba é uma ditadura.

Mas isso não torna seus médicos incompetentes.

Uma matéria da BBC Brasil, publicada no conservador “estadão.com.br”, dizia: “Os principais êxitos do regime implantado pela Revolução Cubana de 1959 estão na área social, onde a ilha apresenta indicadores superiores à maioria dos países do continente, incluindo aí os mais ricos”. A reportagem elogiava as escolas cubanas: “É nestas escolas que se reúnem dois dos maiores sucessos da revolução cubana: a educação e a saúde pública”. O “coronel” Ronaldo Caiado, deputado do DEM, que ficou famoso como patrão de uma associação de extrema-direita, afirma que “esses quatro mil cubanos que estão sendo contrabandeados serão cabos eleitorais do PT no interior”. Fala-se em trabalho escravo. Nos confins do Brasil, no mundo de certos coronéis políticos, trabalho escravo não falta.

Sem necessidade de médicos e cuidados.

Cuba investe 10% do PIB em saúde. Dá para entender que médicos brasileiros não queiram ir para alguns lugares para falta de infraestrutura, de bons salários e de condições adequadas de trabalho. Mas não dá para entender que se ideologize a questão da entrada de médicos cubanos no país. Tem gente que continua na Guerra Fria com discurso macartista e gosto pela caça às bruxas. Articulistas lacerdinhas recorrem a um argumento escatológico: falta até papel higiênico em Cuba. No interior do Brasil tem gente que ainda usa jornal, folhas de árvores e até sabugo de milho para se limpar. Tem quem não queira pediatra cubano com medo de que comunista coma criancinha.

Nossos médicos brilhantes, que são muitos, riem disso tudo.

Num ponto os médicos brasileiros têm razão: todos os formados no exterior, brasileiros ou não, deveriam ser submetidos ao Revalida. Mas já no governo FHC houve um convênio com Cuba que dispensava a revalidação pelos critérios e métodos da época. Países europeus contratam médicos estrangeiros por tempo determinado sem a exigência de exame de revalidação.

Há para todos os gostos.

O governo cubano ficará com grande parte do salário dos médicos que virão ao Brasil?

Isso pode ser entendido como uma apropriação indébita ou como um imposto pesado.

Essa preocupação tão intensa é só uma maneira de tentar desqualificar ainda mais o acordo.

Nessa guerra, todos os golpes são permitidos.


Do blog do Juremir.

Como é gasto nosso dinheiro

Eduardo Mattos Cardoso

Professor Mestre em História



Instrumento importante para a cidadania é o acompanhamento das contas de nosso município. Hoje temos a lei de acesso à informação. Qualquer pessoa pode solicitar informações das mais variadas aos órgãos públicos, inclusive prefeituras e câmaras de vereadores. Como nossa prefeitura não gosta muito de divulgar informações, uma breve visita ao “site” do TCE - Tribunal de Contas do Estado - nos informa números interessantes.

Até a presente data os balanços são do primeiro semestre. No quesito receita, ou seja, o que entra de dinheiro para a prefeitura os números são cristalinos: leve aumento nos dois primeiros bimestres e um surpreendente acréscimo de quase um milhão de reais no terceiro trimestre em relação à meta a ser alcançada. Para ser exata, a meta era arrecadar R$ 3.298.896,25, mas se arrecadou R$ 4.288.809,91, uma diferença de R$ 989.913,66. Está no site do TCE em receitas correntes de Três Cachoeiras.

Até aí tudo bem. Aliás, muito bem. Essa história de município “quebrado” e choradeira porque não tem dinheiro é puro engodo. Sempre afirmei isso. Agora, entrar no terreno “pantanoso” dos gastos faz exalar alguns odores. Não sei bem se é “pantanoso” o “movediço”, mas vamos a alguns exemplos apenas da unidade orçamentária “Gabinete do Prefeito”.

Este órgão de governo tem dotação orçamentária própria. O valor pago nos primeiros seis meses de governo foi de R$ 260.802,35. Aí entra todas as despesas relativas à pessoal, viagens, diárias, automóveis, gasolina, manutenção entre outras. Alguns valores gastos chamam atenção de qualquer desavisado. Exemplos: recuperação de dados de HD de quatro computadores custou R$ 1.800,00; lavagem de carro oficial R$ 168,00 (que lavagem...); balanceamento e geometria de dois automóveis oficiais por R$ 1.135,00, e por aí vai. Falando em automóvel oficial, só o do prefeito teve um gasto aproximado de R$ 12.000,00 em seis meses. Fora a gasolina.

Importante observar as contribuições para associações como FAMURS, CNM e AMLINORTE que levam valores expressivos sem saber o cidadão para que servem. Entretanto, o que chama mais a atenção são os valores gastos com transporte, passagens e diárias. Entre passagens aéreas e diárias (sem contar carro oficial e gasolina) nosso prefeito gastou mais de R$ 20.000,00 nesses seis primeiros meses. Fora o gasto de vice-prefeita, chefe de gabinete, assessores e outros. Vale a pena dar uma olhada nos gastos das outras secretarias também. Tudo dentro da lei! Alguns fora da moralidade.


Artigo publicado no jornal O Fato em Foco no dia 23 de agosto de 2013



terça-feira, 20 de agosto de 2013


Esquadrão da fofoca
Eduardo Mattos Cardoso

Professor Mestre em História


Dias atrás um jornal televisivo denunciou um deputado mineiro “instruindo” seus correligionários. Era um “intensivo” com vista à eleição de uma cidade do interior de Minas Gerais. A “aula” recomendava dois pontos básicos: primeiro era “botar no bolso” dos eleitores um “cartão” - por aqui chamado de “santinho” - na quantia necessária com sobra para o candidato ser eleito. Segundo, era criar uma espécie de “esquadrão da fofoca” para difamar o opositor, espalhando mentiras e coisas do gênero. Isso faria com que o candidato atacado perdesse mais tempo se defendendo do que fazendo campanha.

Ainda bem que esse deputado não conhece Três Cachoeiras. Se conhecesse descobriria que essa ideia de fofoca organizada já foi inventada muito tempo antes por aqui. Descobriria ainda que já existe a “fofoca moderna” além do método tradicional do boca-a-boca nos botecos, salões de beleza e outros lugares de ajuntamento de pessoas e até de porta em porta. Ficaria informado que a “cidade que pode mais” está sempre inovando. Parece que esta em andamento o processo de “patenteamento” de um novo “aplicativo” para computadores e esses telefones “modernos”. Criação nossa. Prata da casa. Chama-se “Fofobook”. Ao que indica esses técnicos juntaram o tradicional com as redes sociais.

Esse povo trescachoeirense tem potencial. Muitos acreditam nisso. Um amigo sempre me diz: “fofoca tem prioridade”. Outro reforça: “fofoca derruba e elege políticos”. São frases desconcertantes. Intrigantes. Atestam a força e a importância que a fofoca tem. É mais ou menos como o “jogo do bicho”: a grande maioria das pessoas já fez uma “fezinha”. Mas quem faz o “jogo” nunca ouviu falar. Eu também não! Fofoca é assim igualmente: ninguém sabe a origem.

Entretanto, a novidade em se tratando de fofoca política esta se reciclando continuamente. Antes era só em período eleitoral. Isso já está ultrapassado. Agora a fofoca é continua, principalmente quando o assunto é mascarar incompetência e abusos de poder. Quando é para justificar o injustificável então..., é constrangedor. É o “esquadrão permanente da fofoca” infiltrado em quase toda a máquina pública municipal. Mas seus tentáculos são compridos e alcançam até setores privados. Desconfia-se que tenha um CEO - “chief executive officer” - articulando essa rede. E que os/as administradores/as do tal aplicativo são muito competentes em matéria de fofoca. Por que no resto... Será possível!


Artigo publicado no jornal O Fato em Foco em 16 de agosto de 2013

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Caixa preta e suas possibilidades
Eduardo Mattos Cardoso

Professor Mestre em História


No cotidiano laboral converso com professores de todas as áreas do conhecimento. Ultimamente tenho me detido mais à Matemática e a Física. Desde que estudava sempre as tive como ciências exatas, portanto lógicas. A Física tem me surpreendido com seus estudos sobre Física Quântica. Grosso modo, seria a física das possibilidades. Ou ainda, que o mundo (as coisas, os acontecimentos, etc.) seria fruto de nossos desejos, de nossas aspirações.

A Matemática, desde que aprendemos, usamos diariamente. Como vivemos num mundo de troca de quase tudo (trabalho, produtos, serviços, saúde, etc.) por dinheiro, é conhecimento essencial. Aprendemos a lógica da matemática e ponto: 2+2=4. Cada um nas suas casas, principalmente pais e mães que sustentam suas famílias, tem que administrar seu orçamento. Se tem X de dinheiro só pode gastar aquele X. Se tiver uma despesa extra no orçamento? Como é que faz?

No mundo econômico governamental a matemática se transforma. Os números são virtuais. Concretizam-se ou evaporam por palavras. Nas bolsas de valores os mercados financeiros ganham vida e com isso sentimentos; ouvimos frequentemente nos noticiários que o “mercado estava nervoso” e por isso as ações se desvalorizaram. Neste mundo globalizado inventado e líquido nem a Matemática têm mais lógica. Pode estar no caminho da Física, no caminho das possibilidades.

Nesse sentido, quanto mais ocultamento melhor. A administração do dinheiro público é uma caixa preta que não se abre ao público. Todos os anos União, Estados e Munícipios elaboram seus respectivos orçamentos para o próximo ano. É um documento que indica valores, números, ou seja, quanto se tem de dinheiro para ser gasto nas diversas necessidades. Concluiríamos: pura Matemática! Errado, possibilidades.

Nosso município não foge à regra. E nos surpreende a cada dia. Números e valores são palavras. Quando não se quer fazer algo usam a palavra orçamento. “Não esta no orçamento, então não podemos fazer”. Quando se quer não precisa orçamento. Questão de querer. Mas é "chover no molhado"! É o “jeitinho” institucionalizado e legal. Especialistas tentam fazer cálculos: município quebrado X 44% de reajuste para secretários; contratações de pessoas e empresas X quanto custam; dinheiro não previsto em orçamento para festa do caminhoneiro X saúde é para quem tem QI; Câmara de Vereadores é um banco que distribui dinheiro sem nenhum critério X os vereadores de oposição só ficam sabendo depois do dinheiro gasto. Não fecham as contas. Infelizmente, a covardia e a promiscuidade imperam. Salve-se quem puder.


Artigo publicado no Jornal O Fato em Foco de 09 de agosto de 2013

domingo, 4 de agosto de 2013

Tempos líquidos

Eduardo Mattos Cardoso

Professor Mestre em História



O título de hoje faz referência a uma das obras do sociólogo polonês Zygmunt Bauman. Em “Tempos líquidos” o autor entra profundamente no submundo da insegurança principalmente nas grandes cidades. Terrorismo, crime organizado, desemprego e solidão são fenômenos típicos de uma era na qual a exclusão e a desintegração da solidariedade expõem o homem aos seus temores mais graves.

Para Bauman, o desmonte dos mecanismos de proteção aos menos favorecidos, somado aos efeitos incontroláveis da globalização, propiciou um ambiente inseguro por definição. Dessa forma, as cidades se tornam o local por excelência das ansiedades. Os fabricantes de antidepressivos à base de lítio comemoram. “Construídas para fornecer proteção a todos os seus habitantes, as cidades hoje em dia se associam com mais frequência ao perigo que à segurança”, afirma o autor.

Por isso, segundo o sociólogo, é no medo que se baseia a legitimidade da política contemporânea, incapaz de alcançar a origem global dos problemas, o que acaba por alimentar, ainda mais, as angústias da vida na modernidade líquida que é a condição em que as organizações sociais não podem mais manter sua forma por muito tempo, pois se decompõem e se dissolvem mais rápido que o tempo que leva para moldá-las e, uma vez reorganizadas, para que se estabeleçam.

De fato, poder e política estão separados. Os políticos são reféns da falta de poder. Já são eleitos sabendo disso. Mas se prestam para isso. Grande parte do poder de agir efetivamente, antes disponível ao Estado moderno, agora se afasta na direção de um espaço global politicamente descontrolado, enquanto a política (que deveria ser a capacidade de decidir a direção e o objetivo de uma ação) é incapaz de operar efetivamente na dimensão planetária, já que permanece local.

Assim, o Estado incapaz de conceber os serviços essenciais aos cidadãos é pressionado a terceirizar suas obrigações, abrindo campo fértil para as forças do mercado. Com isso “a exposição dos indivíduos aos caprichos dos mercados de mão-de-obra e de mercadorias inspira e promove a divisão e não a unidade, estimulando as atitudes competitivas”, frisa o autor. É um dos ingredientes da instalação do medo.

Ao contrário do medo, a segurança passa pelos direitos dos indivíduos. Nesse sentido Zygmunt Bauman é categórico em afirmar que “não podemos estar seguros de nossos direitos pessoais se não formos capazes de exercer direitos políticos e fizermos essa capacidade pesar no processo de elaboração das leis”. Eis a dita participação: será que somos capazes ou não temos mais forças?


Artigo publicado no Jornal O Fato em Foco no dia 02 de agosto de 2013.