segunda-feira, 25 de novembro de 2013


Dias interessantes


Eduardo Mattos Cardoso

Professor Mestre em História - eduardomattoscardoso@gmail.com


Para a História, a Sociologia, a Política, enfim para a cidadania vivemos dias muito interessantes. Mas resta a dúvida: os acontecimentos recentes vão melhorar, manter ou piorar a nossa vida? Mais uma vez, só o tempo dirá. Refiro-me a exumação dos restos mortais do ex-presidente João Goulart - o Jango - para averiguar a verdadeira causa de sua morte e desdobramentos possíveis; e ainda, as prisões do maior julgamento midiático do Brasil: a ação penal 470, mais conhecida (e produzida pela mídia) como “mensalão”.

Em fim de ano quase tudo acontece. Infelizmente é muita coisa ao mesmo tempo. Quando se tenta interpretar ou debater sobre determinado assunto recente, logo vem outro para abafar. Isso geralmente acontece pela ordem do discurso, usando o conceito de Michel Foucault. Quando o poder dominante não quer que uma notícia/fato tome dimensão, esse rapidamente aciona seus mecanismos adestrados de poder para fazer o “jogo podre”. Sempre tem alguém para fazer o papel de “bobo da corte”. É assim na política, mídia, educação, religião, enfim em todas as formas de exercício de poder.

As dúvidas envoltas na morte do ex-presidente Jango podem ser esclarecidas. No entanto, o mais importante nesse acontecimento é seu caráter simbólico. Mexer nos restos mortais de Jango significa também remexer o passado recente da História brasileira, no que se refere ao período da Ditadura Militar de 1964/85. E isso não agrada muita gente. Só para lembrar, nos Colégios Militares mantidos pelo Exército Brasileiro e nas academias de formação de oficiais ainda se ensina nas aulas de História que em 1964 aconteceu uma “Revolução Democrática”. E o pior, muitos acreditam nisso.

Dia 13 de novembro de 2013 foi a exumação. Dois dias depois, e também simbolicamente, no dia 15 de novembro - dia de aniversário da Proclamação da República de 1889 - coincidentemente ou não, o ministro do supremo Joaquim Barbosa, em pleno feriado nacional, começa a mandar prender os “mensaleiros”. E em mais um golpe com a ajuda midiática, a “invenção do mensalão” foi empurrada para o colo do PT. Abrir os arquivos da ditatura, e outros escondidos, ajudaria o Brasil a descobrir que a prática do “mensalão” (propina, suborno, compra de votos,... com pagamento mensal) é anterior à redemocratização. E que a “justiça brasileira” está longe de ser justa. Poderia começar com a revisão da lei da anistia. Mas nossa “justiça” não tem coragem.


Artigo publicado no Jornal O Fato em Foco no dia 22 de novembro de 2013

segunda-feira, 18 de novembro de 2013


A perigosa história dos Porongos

por Juremir Machado da Silva


Na Semana da Consciência Negra é sempre importante lembrar o que os farrapos e os imperiais fizeram com os negros em Porongos.

O dia 14 de novembro marca, desde 1844, a maior infâmia já praticada no Rio Grande do Sul, a traição na sua forma mais abjeta e ardilosa.

Uma história para ser encoberta.

No meu livro, “História Regional da Infâmia: o destino dos negros farrapos e outras iniquidades brasileiras”, faço o inventário completo dessa chaga.

Muita gente que tentou falar dela ou que dela soube muito se deu mal.

Veja-se o que dizem os documentos em meu fragmento de HRI:

“Domingos José de Almeida, na minuta de uma carta a Manuel Antunes da Porciúncula, dava conta dos seus temores em escrever uma história da Revolução Farroupilha: ‘Eis meu amigo Antunes por que não querem que eu escreva essa História: e estarei livre de algum assassinato! O futuro o dirá’ (Coleção Varela 714). Essa correspondência falava de Porongos. Quase todos os farroupilhas que um dia criticaram os principais chefes farroupilhas acabaram assassinados: Paulino da Fontoura, Onofre Pires – este num duelo, sem testemunhas, com Bento Gonçalves – e até Antônio Vicente da Fontoura, apunhalado por um liberto chamado Manoel, em 1861, para a libertação do qual havia colaborado com dez onças de ouro. Santa infâmia! Isso tudo sem contar a morte em condições jamais bem esclarecidas de Joaquim Teixeira Nunes, o comandante dos lanceiros negros massacrados em Porongos. As razões oficiais para essas mortes jamais convenceram a todos. Domingos José de Almeida, em outra carta, endereçada a Bernardo Pires, ao abordar a tragédia de Porongos, destacara as enormes resistências ao seu insano projeto de contar tudo o que sabia: “Eis meu amigo por que do nosso lado e do lado dos nossos antagonistas há oposição para a transcrição da nossa História: oposição que talvez triunfe pelo meu estado de saúde, de finanças, de capacidade e de dificuldades que me criam e que renascem apenas destruídas as primeiras” (CV 711). Por quê?

O silêncio é de ouro. Não atrapalha os mitos.


do blog do Juremir


Palavras viram lixo

Eduardo Mattos Cardoso

Professor Mestre em História - eduardomattoscardoso@gmail.com



Um dia depois do outro. No ano passado, por essa época, se ouvia muitos discursos inflamados e raivosos: “essa cidade está um lixo”. Ou ainda: “onde está essa Prefeitura que não faz nada”. Mais: “a prefeitura está cortando tudo”. Isso tudo, é claro, ainda era influencia do período eleitoral. Consultado os gurus, a palavra de ordem era “avacalhar”, “esculhambar” e rebaixar ao “rés do chão”. Poderia ser legítimo se não fosse jogo maldoso.

A ideia era preparar o terreno do caos para a vinda do “messias”, do “salvador da pátria”. Mas o enviado era capenga. Virou, e ainda é, motivo de gozação constante. Como deve ser míope, sua falta de visão o faz mais prepotente a cada dia que passa. Coisas da democracia eleitoral que transforma possíveis cidadãos em simples eleitores alienados e cria “monstrinhos” tipo RBS para disfarçar a realidade.

Infelizmente chega-se a constatação de que além do lixo tradicional as palavras viram lixo também. Primeiro são amputadas, no sentido gramatical. Depois são descartáveis. Será que algum dia conseguiremos reciclar as palavras, já que o papel aceita tudo? Ou a covardia reinará insistentemente, reforçada por homens e mulheres sem palavra?

O “bicho-papão” esta solto. E parece que anda papando os recursos do município. Dinheiro tem mais esse ano do que no ano passado. Muito mais. Mas por que as coisas não acontecem, as obras não andam e a cidade está um lixo e as escuras. Será que vai pegar mal uma nova contratação emergencial - de uma empresa amiga - para limpeza com valor acima de R$ 100.000,00 em menos de um ano. Falta coragem, competência ou o quê?

Nesses belos fins de tarde de primavera, ótimos para uma caminhada, tome cuidado no seu trajeto para não cair num buraco de rua ou de calçada. Quando tem calçada, já que a fiscalização da prefeitura nesse setor é vergonhosa. Cuide também para não tropicar no lixo espalhado pelas ruas. E quando as obras particulares tomam conta da calçada e da rua, passar por aonde?

E as obras públicas inacabadas. Qual é a desculpa da semana. Pavimentações de ruas pela metade, já se esburacando ou interditadas com galhos, restos de obras e, como não podia faltar, lixo, muito lixo. Se a caminhada for noturna, não esqueça de levar uma lanterna. Melhor se prevenir.


Artigo publicado no Jornal O Fato em Foco no dia 15 de novembro de 2013.

domingo, 10 de novembro de 2013


Aos nossos malandros, com carinho

Eduardo Mattos Cardoso

Professor Mestre em História - eduardomattoscardoso@gmail.com


Temos uma moda que nunca foge da moda: ser malandro. Já dizia o cantor Bezerra da Silva: “malandro é malandro e mané é mané”... O bonito é ser malandro. Do contrário é “otário”, “trouxa” e outros adjetivos carinhosos. Cada vez mais o sentimento de malandragem vai se naturalizando. Questão de sobrevivência, dizem alguns. De certa forma têm razão. Nossa cultura é permeada diariamente pelo “jeitinho”. É mais fácil tentar dar um “jeitinho” do que assumir que erramos e pagar pelo erro. É mais fácil usar máscara.

Uma leitura que nos ajuda a entender um pouco melhor o “jeitinho brasileiro” é Carnavais, malandros e heróis, de Roberto DaMatta. Não é uma novidade, mas é atual. É uma “viagem sociológica” a um Brasil que mostra a sua cara. Uma das partes mais interessantes é onde trata do “sabe com quem está falando?” ao “medalhão”. E a mistura do público e do privado? E as amizades? Sempre é bom ser amigo de um “medalhão”, de um dono do poder. Nesse quesito, “aos inimigos a lei, aos amigos, tudo! Ou seja, para os adversários, basta o tratamento generalizante e impessoal da lei, a eles aplicada sem nenhuma distinção e consideração, isto é, sem atenuantes. Mas, para os amigos, tudo, inclusive a possibilidade de tornar a lei irracional por não se aplicar evidentemente a eles”. É a lógica de uma sociedade formada de “panelinhas”, “cabides” e de busca de projeção social.

Temos os nossos malandros também. Nossa cidade está cheia deles e delas. Sem distinção de gênero, embora seja comum ouvir expressões do tipo: “aquela é esposa do fulano”. O “sabe com quem está falando?” se destaca principalmente com a distinção de classe, pelo destaque econômico, político, profissional, entre outros. Além disso, tem os jogos de aparência, ou seja, “não basta ser, tem que parecer ser”. Algumas pessoas se dedicam muito para isso. Para tristeza de algumas, essa “busca pelo impossível” vira motivo de chacota.

Entretanto, o “sabe com quem está falando?” pode se esconder no anonimato. E por vezes pode desmascarar situações ou posições sociais. Assim, segundo DaMatta, “numa cidade pequena não se usa essa forma de fuga ao anonimato, simplesmente porque o anonimato não existe”. O que resta muitas vezes é montar uma “tropa de choque” de puxa sacos de plantão para fazer o serviço sujo, os “jeitinhos”. E os malandros (por aqui chamados de “ligeiros”) pousarem de “bons moços”.


Artigo publicado no jornal O Fato em Foco do dia 08 de novembro de 2013.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013


Um ano de invenções

Eduardo Mattos Cardoso

Professor Mestre em História - eduardomattoscardoso@gmail.com

Em outubro de 2012 comecei esta coluna. Não por acaso, escrevo semanalmente no jornal regional que mais circula em Três Cachoeiras, para desespero de alguns e privilégio dos trescachoeirenses mais informados. Na teoria e nas leituras era possível entender o que significava “mídia chapa branca”. Mas na prática, especialmente em nosso munícipio, a constatação é escancarada devido à falta de pudor com que algumas pessoas lidam com a coisa pública.

Mas fazer o que! As teses desenvolvimentistas nos indicam que estamos no caminho. Nesse percurso às vezes damos dois passos para frente e um para trás. Quando não o contrário. Será que isso é assim mesmo? Ouso discordar porque na maioria das vezes é possível ir à diante sem retroceder. Mas a diversidade de ideias e concepções de mundo que habitam as cabeças dos seres humanos muitas vezes teimam em apontar para o atraso.

Em nossa cidade não é diferente. E essas tensões são permanentes, muito embora carregadas de interesses espúrios e maldades. Nesse sentido, contribuo semanalmente com reflexões e provocações que tentam ir além da fofoca rasteira. Muitos não entendem e outros fazem de conta que não existo. Isso me inspira a ser mais autônomo e original. Prefiro o debate ao dinheiro. O debate é para os sábios, corajosos e educados. Quem foge dele ou opta pelo dinheiro para comprar tudo, prefere a ignorância. Questão de escolha.

Não preciso de máscara. Por isso detesto bajuladores de plantão. Provoco o debate: não são capazes. Escondem-se e desconversam. Adoro quando esbravejam, pois assim mostram suas caras. Mas não se olham no espelho. É duro enxergar a ignorância e a incapacidade diante dos próprios olhos. Melhor fazer de conta e envernizar um pouco.

Em um ano Três Cachoeiras inventou e reinventou. Reinventou a Radionovela, a mentira, a incompetência, a fofoca, a raiva e a enrolação, entre outras. No entanto, a invenção mais importante foi a do próprio munícipio que passou a “existir” a partir de 1º de janeiro de 2013. Junto com essa invenção geniosa veio a invenção do ano inútil. Se ficássemos só na inutilidade seria dos males o menor. Por isso é interessante acompanhar a vida política de nossa cidade mais de perto. E constatar que em um ano muita coisa pode mudar e que “não há nada tão ruim que não possa piorar”. Salve-se quem puder!


Artigo publicado no jornal O Fato em Foco no dia 1º de novembro de 2013.