segunda-feira, 23 de dezembro de 2013


O lobo e as ovelhas

Eduardo Mattos Cardoso

Professor Mestre em História - eduardomattoscardoso@gmail.com


Era uma vez um pastor de ovelhas. Todos os dias ele levava seu rebanho para o campo. Enquanto as ovelhas pastavam tranquilas, o pastor costumava recostar-se a uma árvore e cochilar.

Acontece que, por aquela região, apareceu um lobo faminto. Toda vez que o lobo aparecia as ovelhas corriam para perto do pastor.

Certo dia, o lobo teve uma ideia: resolveu se disfarçar de pastor, para enganar as ovelhas:

- Duvido que elas sejam espertas o suficiente para me reconhecer, pensou.

- Vou trazê-las para perto da minha toca e esta noite jantarei como nunca!

Aproveitando que o verdadeiro pastor estava cochilando à sombra da árvore, o lobo aproximou-se das ovelhas e, agindo como se fosse o verdadeiro pastor, agitou seu bastão e as ovelhas ficaram em dúvida.

Lembrou-se então de que o pastor costumava dar ordens em voz alta, e assim o fez:

- Vamos, ovelhinhas, mexam-se.

Mas o lobo esqueceu de disfarçar a voz. As ovelhas perceberam a armadilha e começaram a balir, assustadas. O pastor veio correndo acudir seu rebanho. Ao lobo não restou alternativa senão tentar uma fuga.

Moral da história: devemos sempre agir com cautela e ponderação, pois a mentira tem pernas curtas e cedo ou tarde a verdade aparece.

Lembrei-me desta fábula na última segunda-feira quando assistia à derradeira sessão do ano na Câmara de Vereadores.

Baixaria incitada pelo presidente da casa que não é humilde e mostrou mais uma vez despreparo ao exercer sua função.

Junto com os vereadores de situação protagonizaram o que restou na política situacionista local: desrespeito total com os cidadãos.

A esses políticos (principalmente os que se dizem progressistas e seus apoiadores) devemos a política rasteira e inútil. Graças aos senhores e as senhoras foi instalado o rancor, a discórdia e a desconfiança. São políticos desleais e rasteiros que tentam se disfarçar de cordeiro ou de pastor para enganar as pessoas.

A política é necessária, mas políticos(as) como estes(as) são desprezíveis. A sua paixão pelo poder e mando se sobrepõe ao equilíbrio. Exalam um cheiro de falsidade tão grande que em seus ambientes de trabalho públicos a maioria das pessoas corta caminho. Não aguentam mais tanto cinismo.

E os puxa-sacos e fanáticos de plantão acham isso legal. Parabéns.

O ano de 2013 foi perdido por causa da maldade e incompetência de vocês.

Que pena Três Cachoeiras.

Os(as) lobinhos(as) estão soltos(as).


Artigo publicado no jornal Fato em Foco no dia 20 de dezembro de 2013.

sábado, 21 de dezembro de 2013


Os aviões não pilotados: a violação mais covarde dos direitos humanos (por Leonardo Boff)


Vivemos num mundo no qual os direitos humanos são violados, praticamente em todos os níveis, familiar, local, nacional e planetário.



O Relatório Anual da Anistia Internacional de 2013 com referência a 2012 cobrindo 159 países faz exatamente esta dolorosa constatação. Ao invés de avançarmos no respeito à dignidade humana e aos direitos das pessoas, dos povos e dos ecossistemas estamos regredindo a níveis de barbárie. As violações não conhecem fronteiras e as formas desta agressão se sofisticam cada vez mais.

A forma mais covarde é a ação dos “drones”, aviões não pilotados que a partir de alguma base do Texas, dirigidos por um jovem militar diante de uma telinha de televisão, como se estivesse jogando, consegue identificar um grupo de afegãos celebrando um casamento e dentro do qual, presumivelmente deverá haver algum guerrilheiro da Al Qaeda. Basta esta suposição para com um pequeno clique lançar uma bomba que aniquila todo o grupo, com muitas mães e crianças inocentes.

É a forma perversa da guerra preventiva, inaugurada por Bush e criminosamente levada avante pelo Presidente Obama que não cumpriu as promessas de campanha com referência aos direitos humanos, seja ao fechamento de Guantánamo, seja à supressão do “Ato Patriótico”(antipatriótico) pelo qual qualquer pessoa dentro dos USA pode ser detida por suspeita de terrorismo, sem necessidade de avisar a família. Isso significa sequestro ilegal que nós na América Latina conhecemos de sobejo. Verifica-se em termos econômicos e também de direitos humanos uma verdadeira latino-americanização dos USA no estilo dos nossos piores momentos da época de chumbo das ditaduras militares. Hoje, consoante o Relatório da Anistia Internacional, o país que mais viola direitos de pessoas e de povos são os Estados Unidos.

Com a maior indiferença, qual imperador romano absoluto, Obama nega-se a dar qualquer justificativa suficiente sobre a espionagem mundial que seu Governo faz a pretexto da segurança nacional, cobrindo áreas que vão de trocas de e-mails amorosos entre dois apaixonados até dos negócios sigilosos e bilionários da Petrobrás, violando o direito à privacidade das pessoas e à soberania de todo um país. A segurança anula a validade dos direitos irrenunciáveis.

O Continente que mais violações sofre é a África. É o Continente esquecido e vandalizado. Terras são compradas (land grabbing) por grandes corporações e pela China para nelas produzirem alimentos para suas populações. É uma neocolonização mais perversa que a anterior.

Os milhares e milhares de refugiados e imigrantes por razões de fome e de erosão de suas terras são os mais vulneráveis. Constituem uma subclasse de pessoas, rejeitadas por quase todos os países, “numa globalização da insensibilidade”, como a chamou o Papa Francisco. Dramática, diz o Relatório da Anistia Internacional, é a situação das mulheres. Constituem mais da metade da humanidade, muitíssimas delas sujeitas a violências de todo tipo e em várias partes da África e da Ásia ainda obrigadas à mutilação genital.

A situação de nosso país é preocupante dado o nível de violência que campeia em todas as partes. Diria, não há violência: estamos montados sobre estruturas de violência sistêmica que pesa sobre mais da metade da população afrodescendente, sobre os indígenas que lutam por preservar suas terras contra a voracidade impune do agronegócio, sobre os pobres em geral e sobre os LGBT, discriminados e até mortos. Porque nunca fizemos uma reforma agrária, nem política, nem tributária assistimos nossas cidades se cercarem de centenas e centenas de “comunidades pobres”(favelas) onde os direitos à saúde, educação, à infraestrutura e à segurança são deficitariamente garantidos. A desigualdade, outro nome para a injustiça social, provoca as principais violações.

O fundamento último do cultivo dos direitos humanos reside na dignidade de cada pessoa humana e no respeito que lhe é devido. Dignidade significa que ela é portadora de espírito e de liberdade que lhe permite moldar sua própria vida. O respeito é o reconhecimento de que cada ser humano possui um valor intrínseco, é um fim em si mesmo e jamais meio para qualquer outra coisa. Diante de cada ser humano, por anônimo que seja, todo poder encontra o seu limite, também o Estado.

O fato é que vivemos num tipo de sociedade mundial que colocou a economia como seu eixo estruturador. A razão é só utilitarista e tudo, até a pessoa humana, como o denuncia o Papa Francisco é feita “um bem de consumo que uma vez usado pode ser jogado fora”. Numa sociedade assim não há lugar para direitos, apenas para interesses. Até o direito sagrado à comida e à bebida só é garantido para quem puder pagar. Caso contrário, estará ao pé da mesa, junto aos cães esperando alguma migalha que caia da mesa farta dos ‘epulões’.

Neste sistema econômico, político e comercial se assentam as causas principais, não exclusivas, que levam permanentemente à violação da dignidade humana. O sistema vigente não ama as pessoas, apenas sua capacidade de produzir e de consumir. De resto, são apenas resto, óleo gasto na produção.

A tarefa além de humanitária e ética é principalmente política: como transformar este tipo de sociedade malvada numa sociedade onde os humanos possam se tratar humanamente e gozar de direitos básicos. Caso contrário a violência é a norma e a civilização se degrada em barbárie.

Leonardo Boff é um teólogo brasileiro, escritor e professor universitário, expoente da Teologia da Libertação no Brasil.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013


Sobre o tempo do casamento

Juremir Machado da Silva


Nem todo mundo entende o ofício do cronista. Os que menos entendem essa atividade singular são os pragmáticos, os utilitaristas e os moralistas. Esses só se interessam por buracos na rua, questões de segurança pública, diminuição da maioridade penal e outros assuntos de utilidade pública explícita ou até obscena. Um cronista, contudo, é um comentador da existência. Deve falar de si, sempre que considerar necessário, na tentativa de identificação com os outros. Fala de si naquilo que tem de comum com os demais: expectativas, sonhos, temores, cotidiano, percalços e ritmo da vida.

Por exemplo, o casamento. Cláudia e eu chegamos a 24 anos de casados. Como diz o filósofo de Palomas, é tempo. Está cada vez melhor. Tivemos, como todo casal, nossas crises. Hoje, vivemos um amor maduro e feliz. Sou um fã do casamento. Não saberia viver sozinho. Não saberia viver sem a Cláudia. O mais incrível do casamento é que, mesmo com o tempo passando, tudo pode se renovar. A família foi declarada falida ou até morta pelos rebeldes dos anos 1960. Está mais forte do que nunca. É verdade que se flexibilizou. Novas formas apareceram. O mundo está melhor. Daniela Mercury e sua esposa podem falar do casamento delas em praça pública. Só os preconceituosos ainda não perceberam o quanto é muito melhor este modo.

Viver e deixar viver é a grande lei moral. Viver e deixar viver tudo aquilo que não prejudica terceiros. Sou fã do presidente uruguaio Pepe Mujica. Colocou novamente o Uruguai na vanguarda da América Latina. Pode dar errado. Mas está buscando uma experiência arrojada para tentar resolver aquilo que se tornou um atoleiro. O que toda essa mistura tem a ver com casamento? O que tem a ver com o meu casamento de 24 anos com a Cláudia? Tem a ver com o ritmo da vida: o tempo passando, a gente se amando, o mundo mudando, ou tentando, e a vida fluindo.

A melhor maneira de testar um casamento é viver algum tempo no exterior num apartamento de 25 metros quadrados. Especialmente se ele for roxo do teto às paredes. Ainda mais com o ciclo da natureza europeia. Acompanhar pela janela a árvore do jardim perder as folhas, acabrunhar-se e atravessar o longo inverno retorcida e gélida sob o cinza do céu baixo. Até o renascer triunfante na gloriosa primavera ensolarada. Cláudia e fizemos isso durante quase seis anos. Quatro anos na primeira vez, nove meses somados em três vezes seguidas e um ano noutra passagem. São 24 horas por dia em contato direto. Até a aula íamos juntos. Fizemos isso em Berlim e em Paris. Só falta uma temporada em Palomas.

Ao longo do casamento a vida se reinventa. É importantíssimo ter gostos em comum. Cláudia e eu compartilhamos a paixão pelas viagens, pela arte, pelos museus, pelos shows, pelos filmes, pelos livros, pelos restaurantes, pela praias desertas e pelos amigos. Mas também é muito importante ter diferenças para compartilhar. Sou colorado. Cláudia, gremista. Recomendo. Todo colorado deveria casar-se com uma gremista e vice-versa. Como diz o filósofo, parece que foi ontem. Não temos fotos do casamento. A Dulce Helfer não apareceu.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013


Ano perdido

Eduardo Mattos Cardoso

Professor Mestre em História - eduardomattoscardoso@gmail.com


Do ponto de vista da administração pública municipal, 2013 foi um ano perdido para Três Cachoeiras.

Um interlocutor da direita local (um daqueles que acham que está tudo uma maravilha) referiu que o prefeito municipal é “algo assim tipo” uma árvore de natal: simples decoração.

Discordei veementemente porque se nosso “reizinho” fosse apenas uma figura decorativa tudo bem, afinal está cheio por aí. O problema é que se ele ficasse apenas sentado em sua cadeira estofada, nossa cidade perderia menos.

Por que foi um ano perdido, o caro leitor pode se perguntar.

Porque opção política, ideologia e competência faz toda diferença quando se administra qualquer coisa, ainda mais em se tratando de administração pública. Nesse sentido, um pouco mais da metade dos eleitores de Três Cachoeiras estão sendo enganados. Foram iludidos e mesmo assim alguns esbravejam diante da realidade.

Mas o engodo e a estampa de incompetência eram e são evidentes. O que explica então a opção da maioria pelo atraso? Resposta fácil: puxa-saquismo, fanatismo, inocência ou pura ignorância.

Essa turma da “phodrydorus pholytykays” que está hoje na prefeitura, anda na contramão da História.

Conseguiram passar um ano inteiro retrocedendo, ou apenas com o trivial. Opa! Desculpem, esqueci que realizaram a rançosa e inútil (do jeito que é concebida) festa do caminhoneiro que tinha donos e vai continuar tendo. Fora isso, nem dar continuidade ao que estava sendo feito conseguem. Pelo contrário, obras paradas (espalhadas pelo município) e algumas correndo o risco de não serem realizadas. Ranço ou malandragem? Veremos.

Isso tudo apoiado por legisladores situacionistas de atuação vergonhosa.

A última seção do dia nove de dezembro foi uma delas. O Mampituba não passou. De propósito ou por acaso? Por esse motivo, o presidente do legislativo que enrolou a população o ano inteiro deu mais uma cartada das suas: engavetou nesse dia a votação do projeto de lei que AUMENTA o valor da hora máquina para agricultores.

É, debate e clareza não inspiram nosso “falastrão” legislador.

Mas dizem por aí que ainda poderemos ter surpresas nos próximos dias.

Uma delas é a possível aparição do prefeito Nestor disfarçado de Papai Noel na “Cantata de Natal”. E que de dentro do seu tradicional saco distribuirá presentes para os expectadores (que só assistem mesmo): os novos carnês de IPTU e Taxa de Lixo atualizados.


Artigo publicado no jornal Fato em Foco no dia 13 de novembro de 2013

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013


Amigos

Eduardo Mattos Cardoso

Professor Mestre em História - eduardomattoscardoso@gmail.com


Coisa boa é ter amigo. Mas amigo de verdade. Amigo virtual de faz de conta não vale. O mais importante é qualidade. Não quantidade. Com amigo de verdade não tem “frescura”.

Por isso prezo a amizade e os momentos agradáveis que desfruto com meus amigos. E quando esses momentos são regados a um bom vinho então, nem se fala.

As mudanças da vida sempre nos apresentam surpresas. Depois de viver uma década e meia longe da Lagoa Itapeva retornei à querência.

Mas passado esse tempo, as coisas não eram mais como antes. A vida segue, as pessoas mudam ou só envelheceram?

Digo isso porque algumas se tornaram irreconhecíveis, não do ponto de vista físico. Já outras parecem que foram lapidadas, “melhoradas”. São alegres e interessantes encontros e reencontros.

Uma pessoa que chega de “fora” é encarada como forasteiro. Numa cidade pequena como a nossa, o forasteiro vai ser avaliado pelos “estabelecidos”. Isso parece acontecer porque os moradores “tradicionais” têm o sentimento de que a cidade é sua, de seu controle. Assim, um “outsider” (de fora) pode ser visto como um intruso que deve voltar ao seu lugar de origem se não adequar-se às regras locais. Mas poderá ser aceito socialmente se enquadrar-se ao modo de vida predominante.

Esses conceitos foram usados por Norbert Elias e John. L. Scotson em “Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma comunidade”.

Segundo os autores, a observação e análise social proporcionam compreender os laços de interdependência que unem, separam e classificam segundo a sua importância, os indivíduos e grupos sociais, em relação de poder constante.

Pelo estudo de caso, Elias e Scotson apontam que as categorias, “estabelecidos” e “outsiders”, se definem na relação que as nega e que as constitui como identidades sociais. Os indivíduos que fazem parte dessas comunidades estão ao mesmo tempo unidos, mas também separados por uma relação de interdependência grupal.

Penso nesse assunto desde que voltei à terra natal. E eis aí a diferença. Eu já era daqui. Nasci aqui e me criei até os dezoito. Fiquei quinze anos fora e retornei.

Será que mesmo assim sou um “outsider”?

Ou um novo tipo de forasteiro?

Fico a me perguntar.

Mas tenho certeza que em matéria de amizade não me enquadro no modelo proposto por Elias e Scotson. Sinceridade, autenticidade e simplicidade me deram novos e velhos amigos.

Não importa o tempo.


Artigo publicado no jornal Fato em Foco no dia 7 de dezembro de 2013.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013



Mostras e presentes de fim de ano

Eduardo Mattos Cardoso

Professor Mestre em História - eduardomattoscardoso@gmail.com


A “cidade que pode mais” não poderia ficar de fora da farra de fim de ano. Algumas coisas positivas, outras nem tanto. Mas vamos lá.

Como já disse, em fim de ano “quase tudo” acontece. Vem aí um presente natalino especial para nós, trescachoeirenses: atualização tributária. Nome bonito. Mas como prevê aumento de arrecadação então é AUMENTO DE IMPOSTOS. Simples assim. Não tem nada de justiça tributária. E na “calada da noite”. 

Prepare o bolso ano que vem. E tome cuidado com a caça às bruxas.

Quando falta competência para gerir o dinheiro público, sobra incompetência para aumentar impostos.

O caso do automóvel Santana é estarrecedor.

Essa tal “atualização tributária” vai pegar a especulação imobiliária também, ou vai continuar com o faz de conta do ITBI? Como não se quer debate e alguns vereadores semianalfabetos e vendidos votam, é jogo jogado.

Resta saber se o AUMENTO DE IMPOSTOS vai resultar imediatamente em melhorias para o munícipio. A esperança é a última que morre.

E como não poderia ser diferente, mais uma mostra de “malandragem política” por parte de nossos gestores atuais.

A semana que passou teve inauguração de posto de saúde ESF no Bairro Santa Rita. Por que nossos atuais administradores tem tanto medo do passado recente, de reconhecer fatos, atitudes e realizações estruturais em nosso munícipio? Mais uma tentativa de apagar uma parte do passado. Só uma parte.

Os donos do poder acham que conseguem. Claro, contam com a ajuda de lunáticos, fanáticos, fofoqueiros, maldosos e chatos de plantão. E os discursos da inauguração! Não vale a pena comentar. É mais uma mostra do nível rasteiro dos que se dão o título de “donos da prefeitura”. Lastimável.

Mas nem toda mostra foi ruim. Ufa! Ainda bem.

Tivemos a “II Mostra de trabalhos. Diversidade: construindo e integrando saberes”, dias 21 e 22 de novembro, no Instituto Estadual de Educação Maria Angelina Maggi.

Estava lindo de ver.

Nesse caso, os discursos valeram apena. É a mostra que a educação pode ser diferente. Que nossos alunos têm muito mais capacidade do que imaginamos.

A educação, e por consequência a escola, tem que mudar. É difícil romper com o tradicional. Falta mudança de mentalidade, mas estamos no caminho.

Todo processo tem seus autos e baixos. Às vezes é preciso retroceder um passo para avançar dois.


Artigo publicado no jornal Fato em Foco no dia 29 de novembro de 2013.

O poder e o caráter — Fenomenologia de um burocrata (por Emir Sader)


Lenin gostava de repetir que o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente. Corrompe material e espiritualmente.

A afirmação: “Quer conhecer uma pessoa? Dá-lhe poder, para ver a força do seu caráter” vale para entender comportamentos na esfera da política nacional, mas também em outros marcos institucionais.

Gente que pregou sempre a socialização do poder, as direções coletivas, a construção de consensos mediante a discussão democrática e a persuasão, criticou sempre a violência verbal, a ofensa, o maltrato às pessoas – de repente vê um cargo de poder cair no seu colo, revela falta de caráter, renega tudo o que aparentemente defendia, se encanta pelo poder e se torna um déspota.

O poder lhes sobe à cabeça e lhes invade a alma. Todas as frustrações e os complexos de inferioridade acumulados por não ter méritos para um protagonismo de primeiro plano, de repente irrompem sob a forma da prepotência, da arbitrariedade, da concentração brutal do poder, de mal trato das pessoas, do uso do poder das formas mais arbitrarias possíveis.

Tem gente que se humaniza ainda mais quando assume funções públicas, aumenta sua modéstia, suas formas humanas de relação com as pessoas. Tem outras em quem o poder bota pra fora o que de pior estavam acumulando. Se transtornam, tornam-se monstros, que acreditam que o poder é um porrete, de que fazem uso a torto e a direito, contra todos.

Não conseguem conviver com pessoas que acreditam que lhes fazem sombra. Tem complexo de inferioridade, então acreditam que os outros o desprezam, não o levam a sério, não lhe reconhecem os méritos que acreditam ter.

Tem uma visão instrumental do poder, tanto assim que se desesperam quando se defrontam com pessoas que tem seu poder na moral, na legitimidade política, na capacidade intelectual – de que eles não dispõem – que não se vergam diante de ameaças, diante do poder do decreto, da arbitrariedade. Diante dessas pessoas, perdem o equilíbrio, se sentem pequenos, impotentes, desprezados.

Não conseguem conviver com a diferença. Diante de divergências, buscam fazer com que desemboquem na ruptura, valendo-se do poder formal dos decretos, das punições, da exigência de retratações formais. Não tem estrutura psicológica para conviver com as diferenças, para buscar coesão entre diferentes. Logo descambam para a violência, verbal e dos decretos.

Usam os espaços institucionais que detêm como se fossem propriedade sua, dispõem das pessoas, das coisas, dos recursos, como se fossem patrimônio pessoal. Fazem do cargo que tem, uma propriedade pessoal, desqualificando completamente o caráter publico que a instituição deveria ter.

Como sabem que tem um poder ocasional, pequeno, vivem depressivos, buscam esconder-se através de falsas euforias, mas que lhes tiram o sono, a calma.
Tratam mal a todos a seu redor, fazem deles submissos, em lugar de ajudá-los a desabrochar, como outros lhe permitiram sair do anonimato e galgar posições.
Vivem cercados de subalternos, cinzentos, temerosos. Todos acumulando rancor e ódio contra ele, sonhando todo dia com a sua morte, a sua desaparição mágica e súbita. Sonham que ele desapareça, tanto o rancor e a humilhação que acumulam e sofrem. Ninguém gosta desse tipo de gente, o temem, o odeiam, o desprezam caladamente.

É uma gente medíocre, mas que tem uma ânsia profunda do poder. Como é profundamente inseguro, precisa da adulação, por isso vive e nomeia incondicionais para cercá-lo. De quem cobra palavras de adulação a cada tanto.
Como compensação do complexo de inferioridade que tem.

Alimentam o acesso ao poder durante 10, 20 anos. Quando chegam, se afogam com o poder, o transformam em poder absoluto. Quando deviam se realizar, se frustram, ficam menores, deprimidos, precocemente decadentes. O que deveria ser o ápice, é o fim.

Fazem o teatro de um suposto desapego ao poder, de dedicação não sei quantas horas ao dia às tarefas mais duras – e cinzentas -, mas se apegam ao poder como sua alma. Já não podem viver sem ele e suas prebendas.

Quando vai terminando o tempo desse poder, ficam desesperados, porque não conseguem mais viver sem esse poder, sem se dar conta que esse poderzinho é uma porcaria, um nada. E porque todos fora dali, que não dependem dele, lhe tem um imensa e generalizada rejeição, que é o que o espera quando não possa mais se proteger com as prebendas do poderzinho que tem hoje. Vão ser reduzidos às suas devidas proporções, de mediocridade e anonimato.

Porque o poder forte é o poder legítimo, fundado no convencimento, na ética, no reconhecimento livre dos outros, que ele não conhece. Porque esse tipo de burocrata tem uma visão pré-gramsciana, acha que o poder é a violência, a força, a prepotência. Que pode levá-lo pra casa no bolso ou debaixo do braço.

Pobres diabos, devorados irreversivelmente pela mediocridade, pelas mentiras com que tentam sobreviver – mentem, mentem, mentem, desesperadamente -, em guerra contra os outros e em guerra consigo mesmos.

Lenin gostava de repetir que “O poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente”. Corrompe material e espiritualmente.

Esses burocratas, corrompidos pelo poder, são discricionários, prepotentes, cobram dos outros, mas não permitem que cobrem dele. Cobram economia alheia, contanto que ninguém cobre seus desperdícios. Não agem com transparência, escondem seus passos e suas intenções.

Não amam, não sabem amar, nunca amaram. Gostam de si, tentam sobreviver, mal e mal, sem amor.

Reduzem tudo ao administrativo, porque não sabem pensar, tem terror a ter que se enfrentar a uma realidade que tivessem que decifrar, a argumentos que desnudassem sua falta de razões, suas arbitrariedades. Não sabem argumentar, não conseguem justificar as decisões absurdas que tomam, então vivem no isolamento, e no pequeno circulo cinzento dos que dependem dele. Fogem da discussão, da confrontação de argumentos, que é o que mais temem. Tentam reduzir tudo a prazos, normas, estatutos, punições, ameaças, promoções, expulsões. São burocratas perfeitos, idiotizados pela ativismo, que não podem parar, senão teriam que pensar e isso é fatal para eles.

Eles não entendem onde se meteram, deglutidos pela atividade meio – seu habitat, como burocratas que são, por natureza – não compreendem o que fazem, até mesmo porque é incompreensível, reduzidos às cascas formais de um conteúdo que lhes escapa, porque sua cabeça obtusa não lhes permite captar o que os rodeia, que eles pretendem aprisionar mediante decretos.

Se desumanizam totalmente pelo exercício frio da administração, que creem que é poder. São solitários, vivem fechados, os amigos se distanciam, perdem a confiança neles primeiro, o respeito depois.

Pensam que dominam tudo, com seus cronogramas e convênios, mas não controlam nada. Tudo acontece a seu redor, sem que eles saibam. Vivem num mundo vazio, que não podem parar, para não se dar conta que é vazio. Pulam no abismo para seu fim.

Não conseguem pensar-se a si mesmo sem esse poderzinho. Tentam perpetuar-se, pela inércia, porque fora desse lugar não são nada. Ali também não são nada, mas se enganam, se iludem, que são. Apodrecem no exercício das funções burocráticas e ai morrem.

São personagens que terminam como o canalha do Nelson Rodrigues: solitários, sem ninguém, agarrados ao único que lhe resta: a caneta e escrivaninha.

Os burocratas morrem em vida, afogados pela sua mediocridade. Passam pelo cargos sem pena, nem glória, esquecidos e desprezados por todos. Saem menores do que entraram. Se dão conta aí que já não serão nada na vida.

Essa a vida e a morte dos burocratas. A vida segue, feliz, sem eles.

Emir Sader é um sociólogo e cientista político.