sexta-feira, 20 de junho de 2014


Festa e mais festa
Eduardo Mattos Cardoso

eduardomattoscardoso@gmail.com


O clima de festa é geral no Brasil. Pelo menos é o que tenta nos faz crer o monopólio da mídia e da informação. A copa está fazendo os brasileiros esquecerem os problemas. Lá no fundo, deve ser por que a vida não é só a dura realidade da maioria. Todos têm direito a um faz de conta, mesmo que momentâneo. Festa é um direito de todos, do rico ao pobre, guardada as suas evidentes desproporções.

Enquanto o nosso país está alugado temporariamente para a FIFA, a vida segue. Quem pode aproveita esses dias festivos. Mas é bom lembrar que nem todo brasileiro gosta de futebol. Essa ditadura do “país do futebol” deve ser relativizada. Muitas pessoas aproveitam esses dias de “folga” para passear, descansar entre outras coisas que não tem nada a ver com Copa. Temos esse direito.

É tempo de muitas festas ao mesmo tempo. As alianças partidárias para a grande “festa da democracia” de 2014 - eleições - tem prazo até o fim do mês de junho. Muitas coisas importantes dessa “festa” não estão aparecendo, muito menos discutidas. Por exemplo: será que algum dia o PMDB nacional vai ser oposição a algum presidente? O que pensar quando José Sarney, Renan Calheiros, entre outros figurões, extorquem o PT nesse período de convenções. Cabe lembrar que extorquiram FHC também. E o petismo e o malufismo juntos novamente!

Assim, o que vale é o tempo de televisão que um partido agrega à coligação. E depois se eleito, a tal governabilidade. Ideologia, o que é isso mesmo? Pergunta difícil. O cidadão fica mais confuso aqui no Rio Grande do Sul. O PMDB nacional apoia Dilma, inclusive indicando seu vice novamente. Mas aqui no RS o PMDB apoia Eduardo Campos. Com Ana Amélia é parecido: seu partido, o PP, nacionalmente apoia Dilma também. Entretanto, aqui no estado, vai com Aécio Neves. É uma lambança. Ou é para ser assim mesmo, para ninguém entender nada? Qual o mais coerente? O que significa mesmo coerência? É do jogo. É da festa.

E já que o assunto é festa, não nos esqueçamos da nossa fabulosa, majestosa e nebulosa festa do caminhoneiro. Quem paga a conta somos nós. Adivinha quem é a FIFA nessa festa?

Crônica publicada no jornal Fato em Foco do dia 20 de junho de 2014

Muitos jogos
Eduardo Mattos Cardoso

eduardomattoscardoso@gmail.com


Começou a Copa do Mundo de Futebol do Brasil de 2014. Ocorrerão muitos jogos até sua final. Até lá outras coisas estarão em jogo. Ou melhor, estavam, estão e estarão. Tem jogos dentro de campos e disputas fora deles. Vamos discutir muito ainda o legado da Copa. Depois do mundial vamos avaliar seus prós e contras. É da democracia.

Em campo a “peleia” não é fácil para a seleção brasileira. Se nossos jogadores quiserem a copa é nossa. Competência não lhes falta. Talento tampouco. Algumas coisas podem atrapalhar, como por exemplo, a variadas “pressões” por estarem jogando em casa. Nesse caso, a experiência de nossos jogadores vai contar muito. E se o coletivo funcionar o caneco deve ser nosso. Tomara que o jogo de vaidades não apague o conjunto.

Junto com isso não podemos nos esquecer do líder. A figura do treinador é fundamental. Felipão têm um dos maiores desafios da sua vida. Não é por acaso que está onde está. Nós, gaúchos mais uma vez. Ultimamente a gauchada tem tomado conta do comando da seleção. Dunga, Mano Meneses e de novo Felipão.

Algum dia Luiz Felipe Scolari irá nos falar sobre os bastidores desse mundial histórico, seja com conquista ou decepção. Por que ele sabe melhor do que nós que não basta ser competente como treinador, como tático. O jogo externo e as cobranças são invisíveis. E o jogo político está por toda parte. Futebol não é apenas um jogo.

Essa Copa será do tamanho do Brasil. E grande será nossa alegria se conquistarmos mais esse título, demostrando mais uma vez para nós mesmos que somos bons no que fizemos, tanto no futebol como em organização e competência. Mas jogo é jogo. Não existe certeza. Não precisamos mostrar nada para ninguém. Queremos sim, é sermos respeitados como qualquer outro país ou povo. É o que o mundo mais precisa.

Começaram os jogos. Que o respeito dos visitantes esteja presente. E que o patriotismo e garra de nossos jogadores estejam acima de qualquer jogo. E do nosso povo também.

Crônica publicada no jornal Fato em Foco do dia 13 de junho de 2014

Chauí, a Copa e a “Nova Classe Média” (por Fernando Horta)
Em 2013, num evento que reuniu o ex-presidente Lula, o cientista político Emir Sader e o economista Márcio Pochmann, a filósofa e professora da USP Marilena Chauí virou vídeo viralizado em redes sociais. No vídeo faz um pronuciamento em que afirmava que a “classe média é uma abominação política, uma abominação ética e uma abominação cognitiva”. Um discurso forte que recebeu críticas de grupos que, pela conceituação de Chauí, sequer foram atacados. Em realidade, o desconhecimento sobre exatamente o quê Chauí atacava provocou celeuma por toda a rede. O fato é que depois do lamentável fato ocorrido na inauguração da Copa de 2014 – quando a área VIP do estádio passou a ofender a presidenta com palavras de baixo calão, machistas e sexistas – temos que reconhecer: Marilena Chauí tinha razão.

O argumento da professora Chauí é bastante antigo e tem sua base num trabalho do sociólogo americano Charles Wright Mills publicado pela primeira vez em 1951 chamado “White Collar: The American Middle Classes”. Nesse trabalho, o cientista americano argumenta que ao passar a ganhar uma maior remuneração por cargos de chefia, coordenação, planejamento e etc. esse grupo de trabalhadores (“White Collars” para Mills) se sente diferenciado do simples proletariado (aqueles que vendem sua força de trabalho) criando, literalmente, toda uma cultura de alteridade. Fazendo isso, esses indivíduos – que são tão proletários como qualquer outro – passam a desenvolver padrões comportamentais, culturais e argumentativos que os distanciam dos grupos “subalternos”. Ao mesmo tempo, esses indivíduos se aproximam das mentalidades das elites comprando suas posições políticas, seus padrões de consumo, seus gostos culturais e negando sua origem econômica de fato. Desse modo, o termo “nova classe média”, tal qual usada pela professora, não é o mesmo que “classe dos que ganham mais ou menos” e tampouco se confunde com os profissionais liberais que compõem a clássica classe média.

Essa “nova classe média” tem padrões culturais e sociológicos bastante claros que estudiosos de marketing, publicidade e propaganda, sociologia e antropologia já mapearam com sucesso: ela é conservadora, materialista, paternalista, machista, religiosa (mesmo não tendo credo único), tem um senso de dever que se traduz no acúmulo de bens materiais duráveis, é avessa ao risco e dá uma importância ímpar a uma educação de caráter funcional. Educação voltada para o mercado de trabalho (medicina, engenharia, direito, arquitetura e etc.) e não uma educação de erudição ou voltada para a ciência como forma de pensamento teórica. Um traço interessante do comportamento dessa “nova classe média” é que ela não aceita que seus filhos tenham um nível cultural menor que os pais. O caminho da faculdade (o terceiro grau) como o caminho da redenção social é um culto sagrado. Mesmo que hoje saibamos que existem carreiras técnicas que trazem tanto ou maior retorno financeiro, esse culto ao bacharelado por anos inflou nossos vestibulares e transformou as universidades públicas em recintos redentores das gerações filhas da “nova classe média”. Gente empurrada a fazer faculdades para “agradar a família” e assim internalizando de fato uma diferença pedagógica crucial, como se existisse um trabalho para “fazer dinheiro e melhorar de vida” e aquilo que realmente se gosta de fazer é apenas “hobbie”.

O grande problema é que diante do processo da ditadura brasileira, em que foram suprimidas matérias como sociologia, filosofia, teatro, línguas e etc … e onde o tempo na nossa educação de ensino básico e médio (antigo primeiro e segundo graus) destinado às disciplinas de história, literatura e geografia se viu extirpado pelo aumento da matemática, química e física, se consolidou uma educação aos moldes dos interesses dessa classe média e do regime ditatorial: educação para a o mercado. Sem uma base sólida de conhecimento humanístico o conservadorismo se tornou reacionário, o machismo se tornou homofóbico, a diferenciação de espaços de trabalho se tornou preconceito de classe e de raça, a religiosidade se tornou extremista e o apego aos bens materiais tomou forma num anticomunismo anacrônico que ainda (em pleno século XXI!!) aparece em textos de “meninos maluquinhos” e “jornalistas opinativos” por alguns meios de comunicação em nosso país afora.

Ao mesmo tempo, se consolidou um dito repetido à exaustão durante o período ditatorial brasileiro: “quem sabe faz, quem não sabe ensina”. Ávidos a suprirem a demanda dessa “classe média” os cursos superiores passaram a retirar de seus currículos disciplinas formativas como filosofia, sociologia, história e etc. Assim os cursos de Direito perderam a filosofia, a ciência política e a história trocando por “Teoria Geral do Estado” ou “História das instituições brasileiras”. Cursos de jornalismo, pasmem, não trazem em seu currículo história do Brasil como disciplinas formativas e obrigatórias. O fazer e o pensar se separaram completamente, criando uma geração inteira de pessoas com diplomas de terceiro grau que não são capazes de entender o sentido do termo “ética” ou diferenciar o Brasil do século XX da antiga URSS. Médicos se formavam sem conhecimentos sociais, engenheiros construíam casas para uma sociedade que desconheciam e amigos não mais discutiam “futebol, religião ou política” pois a vida privada, vigiada pela ditadura, separava-se claramente da vida pública e do exercício da cidadania. Quanto mais afastado da política um cidadão estivesse mais “correto” ele parecia aos olhos dessa sociedade distorcida. Se criou uma ojeriza pelas teorias, um desdém pelos livros não técnicos, rápidos e funcionais do tipo “faça você mesmo”, “guia de auto-ajuda” ou “guia politicamente incorreto” de alguma coisa …

Voltando à Chauí, ela diz que essa “nova classe média” é uma “abominação política” por não se reconhecer como NÃO parte da elite e é frequentemente cooptada por esta, sendo usada como “pelego” para manter a plebe distante. O interessante é que, como já chamava a atenção Mills, a elite não cede em nada seu poder político ou material para essa “nova classe média” é um jogo de sedução social (simbólica) e nada mais. No vídeo-viral inclusive, a filósofa clama para que essa “nova classe média” assim não se sinta, que não deixe de ser veículo de mudança sócio-histórica para virar bastião do conservadorismo político porque alcançou alguma (falsa) estabilidade econômica. No mesmo vídeo ela chama esse grupo de uma “abominação ética” uma vez que frequentemente a radicalização do conservadorismo em preconceito, do machismo em homofobia, e do anticomunismo em preconceito de classe gera violência. Violência que vemos travestida em bordões como “bandido bom é bandido morto” e que está nos levando de volta à Idade Média quando lincham pessoas simplesmente pela acusação de bruxaria. Para terminar, Chauí ainda acusa esse grupo de ser uma “abominação cognitiva”, pois, segundo ela, essa classe média abandonou o conhecimento formativo (não voltado ao mercado). Nossas publicações de literatura minguam ano a ano e o teatro-reflexão é confinado a uma parcela significativamente pequena da população. Nossas orquestras dependem de verbas governamentais, pois a música se não mercantilizada não sobrevive. Gasta-se mil reais em celulares último tipo, mas um livro ou um ingresso a uma peça de teatro no valor de oitenta reais é considerado caro. É uma “classe média” que acredita que seu conhecimento funcional se basta em si mesmo, que desconhece as fundações daquilo que compra culturalmente, que não conhece a sociedade em que vive, que não tem capacidade de crítica e não sabe seu lugar no tempo. Aqui a mídia tão bem se serve. Dizendo o que é certo e o que é errado. O que deve ou não ser consumido. Um vestido que apareça em novela da Globo esgota-se na loja quase que imediatamente. E um hoax falso na rede se alastra como rastilho de pólvora.

Críticas à parte, depois do ocorrido na abertura da Copa, como não dar razão à Marilena Chauí? Abominações políticas, éticas e cognitivas que podem gastar três ou quatro salários mínimos em apenas uma bela tarde de futebol.

Fernando Horta, historiador, professor, doutorando em Relações Internacionais UNB.

sábado, 7 de junho de 2014


Sindicalismo e peleguismo
Eduardo Mattos Cardoso

eduardomattoscardoso@gmail.com


A crise de representatividade que vivemos não é restrita a vida política. As eleições das grandes cidades, estados e federal são baseadas em propaganda. Não é, em tese, o melhor candidato que vence. É o melhor produto fabricado pelos marqueteiros.

Assim, não sobra espaço para trabalho verdadeiro. O que se faz é especulação. Portanto, todos nós trabalhadores é que arcamos com uma conta que a cada ano que passa fica mais cara com menores salários e o custo de vida mais alto.

Como organização de luta e resistência para melhores condições de trabalho e renda, confia-se aos sindicatos as aspirações dos trabalhadores de diversas categorias. Mas não bastasse o arrocho dos patrões e governantes, agora, como já há algumas décadas, os sindicatos parecem não representar seus associados.

O que está acontecendo com os sindicatos não é nenhuma novidade. Mas vivemos uma situação surreal: trabalhadores querem fazer greve, mas seu sindicato não. Será que os lideres sindicais foram cooptados e corrompidos pela politicagem?

No setor público arrisco um “pitaco” que também não é nenhuma invenção da roda. Sabemos que a maioria dos sindicatos de servidores públicos tem em seus dirigentes figuras filiadas em partidos políticos. Até aí tudo bem. Afinal, todos têm direito de serem filiados a algum partido. O problema é o aparelhamento dessas entidades de classe, ou seja, o sindicato estar a serviço de um partido ou palco de disputas partidárias.

Quando um sindicato não serve à sua classe, vira pelego. E o que mais temos visto é o peleguismo escancarado. Em todas as esferas públicas. No nosso município não é diferente. As relações promíscuas entre direção do sindicato dos servidores públicos municipais de Três Cachoeiras com o partido atualmente no poder são obscenas.

Mas um dos piores exemplos de sindicato pelego hoje é o dos professores estaduais do RS. É uma espécie de “imperialismo” dos partidos ditos de esquerda. Este sindicato é formado por alguns/as parasitas que há décadas não largam o osso e tenho lá minhas dúvidas de que sabem o que é uma sala de aula atualmente.

Crônica publicada no jornal Fato em Foco do dia 06 de junho de 2014

Na torcida
Eduardo Mattos Cardoso

eduardomattoscardoso@gmail.com


Estou na torcida. Se o Brasil ganhar a Copa é bom. Mas se não, segue a vida. Dizem por aí que a vitória ou não da seleção brasileira vai influenciar o resultado da eleição presidencial de outubro. Pode ser. Mas, se a seleção brasileira vence e Dilma é reeleita, como saberíamos o contrário se não aconteceu? Parece que se isso for verdade, o resultado da Copa do Mundo já está combinado. Pagamos, como sempre, pra ver.

No entanto, estou torcendo também para a História de Três Cachoeiras mudar. E pode estar perto disso acontecer. Refiro-me sobre as graves acusações que o PSDB - partido da vice-prefeita Alzira Hainzenreder - fez esses dias e que podem mudar a cena política municipal.

Meu sentimento - e o da maioria dos cidadãos de Três Cachoeiras - é que o prefeito atual e seu partido não têm nenhuma condição e credibilidade para continuar com o cargo. Quem pode acelerar esse processo é a vice-prefeita Alzira e seu partido, confirmando as graves denúncias que fizeram.

É a chance de Alzira ser prefeita. Para sorte ou azar do povo trescachoeirense, só o tempo vai mostrar. Mais competente que o prefeito e seu partido a vice deve ser. Deveria ser a ordem das coisas: se um já demostrou que não tem capacidade para fazer, deixa a outra tentar. Deveria.

Se assim não for, resta ao PSDB e a vice-prefeita Alzira a desmoralização. Não gostaria que assim fosse. Se denunciaram com convicção, mostrem as provas e mudem a História do município. Do contrário, mudem o nome do partido para PRT: Partido do Rio do Terra.

Não bastasse essa instabilidade política, tem de novo Festa do Caminhoneiro. É uma novela interminável. É uma lambança. Só neste mandato a festa virou nacional, municipal e agora “parceiral”. Explico: tem um projeto de lei para ser votado na Câmara de Vereadores que “autoriza o município a firmar parceria com o Sindicato dos Caminhoneiros”. De novo o sindicato “caixa-preta” na volta. Mas esclareçam, se forem capazes, quem paga a conta da festa e quem leva seu lucro.

Crônica publicada no jornal Fato em Foco do dia 30 de maio de 2014

Manipulação social, marketing de tendência e modismos em prol da idiotização coletiva (por Cássio Moreira)
O mundo da moda sempre foi feito de tendências. A indústria de forma geral tem valorizado cada vez mais esses fenômenos. Eles não acontecem por acaso, muitas vezes são construídos lentamente por pessoas especializadas, principalmente por meio dos veículos de comunicação que são as fábricas da padronização cultural. Muitas teses, dissertações, livros e artigos abordam a cumplicidade entre mídias e o poder (a política), especialmente à televisão. Como fábrica de cultura, ela pode expor de maneira descontextualizada comportamentos que, embora existam na realidade, são padronizados e mostrados como modelos, e assim potencializados.

Em um livro de Maria Helena Weber “Comunicação e Espetáculo da Política”, a autora faz uma relação entre as telenovelas – “Vale Tudo” (16.05.88 a 07.01.89), “O Salvador da Pátria” (09.01.89 a 12.08.89) e “Que Rei Sou Eu?” (13.02.89 a 16.09.89) com as eleições presidenciais de 1989. A autora se baseia na hipótese de que a Rede Globo tem a capacidade para (des)qualificar qualquer tema problemático (des)vinculado dos seus interesses políticos e econômicos, especialmente aqueles relacionados à política e, naquele caso, à participação dos brasileiros no seu reingresso ao processo de redemocratização e construção do País. Nas três novelas foi feito, conforme a hipótese, um processo de despolitização e desqualificação da política nacional. Elas abordaram temas ou farpas políticas no período pré-eleitoral e podem ter sido fundamentais na construção de ideias sobre política e políticos num período tão curto de volta a democracia. Essas três novelas fizeram um triângulo astuto, modernizador e aparentemente engajado na problemática nacional. O fascínio dos personagens e a inovação da temática política explícita mobilizaram opiniões balizando a repercussão dessas telenovelas como ficção e informação. As três telenovelas se complementaram e se tornaram interdependentes quanto aos resultados finais, por meio da combinação estratégica dos períodos de veiculação em 1988 e 1989, conforme a autora. Em sua abrangência temática “Vale Tudo” introduziu o telespectador no processo comparativo entre a classe dominante (da qual o País depende, mesmo sendo por ela espoliado) e a classe dominada. Mostrou como o capital nacional pode ser utilizado para viagens ao exterior. Potencializou a ideia (que em parte é verdade) de que quem tem dinheiro pode usar seu poder para roubar, matar e fugir, enquanto o povo paga e não pode fugir das implicações da ascensão social e da sua (des)honestidade. Essa telenovela apresentou e justificou a impunidade da classe dominante, num país maculado pela burrice e preguiça do povo, cujas exceções são premiadas com o amor.

O “Salvador da Pátria”, na mesma linha, mostrou a infiltração das classes dominantes na política, numa cidade do interior e sua relação com o trafico de drogas e à disputa de cargos. Abordou, didaticamente, como os interesses das classes dominantes e do povo podem confluir na escolha de um candidato, em beneficio de uma cidade e, especialmente, como qualquer candidato pode ser constituído a partir do nada. Mostrou também como uma pessoa sem instrução pode ser facilmente manipulada para fins corruptos (lembrando que tínhamos um candidato sem nível superior chamado Lula).

“Que Rei Sou Eu” completou o ciclo e foi veiculada, paralelamente, à novela “O Salvador da Pátria”, ambas valorizadas pela especificidade dos seus horários: antes e depois do Jornal Nacional. Ambientada no século XVIII, entre um castelo e uma taverna, sua trama era uma explícita metáfora sobre a política fazendo uma paródia do Brasil governado por José Sarney: país das vantagens a qualquer custo, do vale-tudo legalizado, do governo decadente, do humor como solução. A sátira é o condimento do tema político, e o sofrimento fica restrito ao amor. Novamente se demonstra a construção de um político, no caso um rei, por meio de um mendigo de barba preta que depois se torna um déspota sanguinário (lembrando fisicamente o candidato Lula). Nos últimos capítulos, o povo invade o castelo, mas liderado por nobres honestos e pelo verdadeiro príncipe herdeiro, que vivia entre o povo, uma espécie de Robin Hood (lembrando que tínhamos um candidato, caçador de marajás, chamado Collor, cujo slogan era o Brasil Novo). A diferença é que o rei empossado é belo, jovem, audaz, honesto, justo, defensor do povo, ao qual promete um novo país. Esse país chamado Avalon, semelhante ao Brasil, tinha vários políticos “velhos” em uma época que havia candidatos mais experientes como Ulysses Guimarães e Leonel Brizola disputando as eleições. Enfim, a salvação da pátria “Vale Tudo” dependia de dois heróis: o salvador de “O Salvador da Pátria”, cuja origem descamisada o faz usufruir e se corromper com o poder, ou a opção pelo rei, de “Que Rei Sou Eu”. Embora tendo sido criado entre o povo rude, portava toda sabedoria e majestade necessárias ao resgate da pátria. Suas origens estavam diretamente relacionadas ao poder. Na verdade, estava sendo dito: não cabe ao povo sua transformação social porque esta só pode ser feita por aqueles que conhecem o poder, que são gerados por ele ou nele têm raízes. Partindo da hipótese de que a Globo apoiava o candidato Fernando Collor de Mello, que foi o presidente eleito, sua vitória poderia ser previsível. (Fonte)

De certo modo pode-se conjecturar que todo o conteúdo veiculado em um determinado e estratégico período necessitava de um aliado fundamental: o imaginário, por meio da emoção qualificada em capítulos, extrapolando a simbiose entre a verdade jornalística e a publicitária. Como resultado possível, identifica-se a desqualificação da política num período estratégico à mudança de governo e definitivo à mudança da sociedade. A análise das coincidências (como se existissem em comunicação!) entre os roteiros da ficção e da política dá maior relevância às telenovelas quando, a partir de seus capítulos, atores e temas, informações, propaganda, realidade, ilusões e projetos foram transformados em aliados, fortalecendo e confundindo o telespectador e seu voto. Interessante relembrar as eleições de 1989.

Em 2010, no ano das eleições presidenciais, o coordenador da campanha da então candidata à Presidência da República Dilma Rousseff (PT), Marcelo Branco, criticou o texto da vinheta de aniversário da Rede Globo que, segundo ele, remetia ao número de José Serra (PSDB), quando a emissora comemorava 45 anos. Por causa disso, a Globo teve de suspender a campanha comemorativa.

Em 2012, a Rede Globo lançou uma minissérie chamada “O Brado Retumbante” que contava a história de um senador que assume a Presidência da República, após o Presidente e o Vice morrerem em um acidente. As semelhanças entre o personagem principal e o atual candidato a presidência da república são curiosas. O presidente acidental do seriado, Paulo Ventura, era um bon-vivant, mulherengo, incorruptível que chega ao posto máximo da política brasileira após a morte do presidente e do seu vice numa mesma viagem. A semelhança física até o estilo lembrava muito o atual candidato do PSDB. (Fonte).

Em 2014, ano de novas eleições presidências a Globo sofre novamente com as acusações e em nota, se defendeu, afirmando que “não precede em absoluto” a acusação de mensagem subliminar em prol do PSB e PSDB na logomarca da telenovela Geração Brasil. (Fonte).

O significado da palavra manipulação pode ser entendido como tratar uma pessoa ou grupo de pessoas como se fossem objetos, a fim de dominá-los. Assistir televisão, ler revistas ou jornais ou navegar na Internet são ações corriqueiras do nosso cotidiano. Todos os dias somos bombardeados por diversas “informações” que têm como objetivo nos “vender’ alguma coisa: uma ideia, um sonho, um produto, um modelo de vida, etc. Esse casamento entre a indústria da informação e do entretenimento influenciam constantemente nossa sociedade e em consequência, também, a educação de nossas crianças. Pode-se afirmar que o modo de vida e a interação humana são influenciados e controlados crescentemente pelos meios de comunicação. E é neste ambiente de interação com o mundo e de conceitos e significados que a criança é colocada frente a frente com televisão. Essa passa a ser parte integrante da família, uma espécie de “babá eletrônica”. Como negar a influência da TV, presente na quase totalidade dos domicílios brasileiros, sobre a formação das identidades sociais e do imaginário popular sobre diversos temas? Quando ouvimos falar que a mídia representa “o Quarto Poder” em uma nação, é preciso avaliar como isso é verdade e o quanto estamos sujeitos a ela e a todas as suas variáveis. A mídia influencia as pessoas no modo de agir, de pensar e até no modo de se vestir. Ela cria as demandas, orienta os costumes e hábitos da sociedade, além de definir estilos, bordões e discussões sociais. A mídia dita às regras, as tendências, os ídolos a serem adorados e seguidos, impondo padrões de beleza cada vez mais inatingíveis. A produção da indústria cultural é direcionada para o retorno de lucros tendo como base padrões de imagem cultural preestabelecida e capazes de conquistar o interesse das massas sem trabalhar o caráter crítico do espectador. Os adolescentes são bombardeados com produções e marcas internacionais e as crianças estão à mercê dos desenhos infantis. Como diria Humberto Gessinger relação ao sistema: “ eles ganham a corrida antes mesmo da largada”.

Dessa forma, seria impossível a escola, ou os pais das crianças ignorarem os robôs que falam, as naves espaciais que a todos fascinam, a capacidade de voar e de transformar coisas, a magia, o poder e o terror trazido pelos monstros e vampiros; as lutas do bem contra o mal nos desenhos animados, a violência mostrada nos noticiários. Alguns dos programas de TV apresentam constantemente valores questionáveis. Essas mensagens irão determinar como nossos filhos serão? Irão determinar sua honestidade, solidariedade, respeito e outros valores (Fonte).

De certo modo, isso poderia ser apelidado quase como de uma lavagem cerebral (também conhecido como Reforma de pensamento ou Reeducação). Na prática significa qualquer esforço constituído visando modificar o pensamento e o comportamento do indivíduo para um novo sistema de valores, cujo principal objetivo é gerar lucros. Quatro técnicas podem ser usadas, conjuntamente, para essa reprogramação que pode ser utilizada para manipular pessoas sem elas terem a menor noção que isso está ocorrendo: a) mensagens subliminares (um caso famoso é o do publicitário Jim Vicary, que, em 1956, inseriu as mensagens “Beba Coca-Cola” e “Coma pipoca” entre as cenas de um filme, o que teria aumentado o consumo do refrigerante em 57% e o de pipoca em 18% na saída do cinema); b) repetição e reprogramação (frase de Joseph Goebbels, cientista nazista, que dizia que “uma mentira contada mil vezes, torna-se uma verdade”), pois o cérebro humano funciona mais ou menos dessa maneira e, quando não estamos preparados com um senso crítico aguçado, acabamos acreditando em mensagens que são repetidas inúmeras vezes; c) ritmo e progressão (algumas das técnicas mais eficientes para reeducação de pensamento exigem a utilização de frases e sons ritmados, capazes de fazer com que os ouvintes sejam imersos na atmosfera que o orador está criando); d) Merchandising (você pode nem perceber que os comerciais começam antes mesmo de o intervalo ser anunciado). (Fonte).

Outro estudioso do assunto, Noam Chomsky, atribuía dez formas de manipulação: 1) A estratégia da distração (desviar a atenção do público dos problemas importantes), 2) Criar problemas e depois oferecer soluções (intensificar noticiários sobre violência urbana a fim de que o público seja o demandante de leis de segurança e políticas em prejuízo da liberdade ou “criar” uma crise econômica para forçar a aceitação, como um mal menor, do retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços púbicos), 3) A estratégia da gradualidade (para fazer com que uma medida inaceitável passe a ser aceita, bastaria aplicá-la gradualmente), 4) A estratégia de diferir (para a aceitação de uma decisão impopular deve-se obter a aceitação no momento para uma aplicação futura, 5) Dirigir-se ao público como se fossem menores de idade (utilizar discursos, argumentos, personagens infantis), 6) Utilizar o aspecto emocional mais do que a reflexão, 7) Manter o público na ignorância e na mediocridade (educação precária e despolitizada), 8) Estimular o público a ser complacente com a mediocridade (levar o público a crer que é moda o fato de ser estúpido, vulgar ou inculto), 9) Reforçar a autoculpabilidade (famoso complexo de vira-lata, ou seja, fazer as pessoas acreditarem que são culpadas por sua própria desgraça, devido a pouca inteligência, por falta de capacidade ou de esforços), 10) conhecer os indivíduos melhor do que eles mesmos se conhecem (muitas pessoas acham que não são manipuladas, mas somos todos os dias, de várias formas diferentes).

Com a expansão da abrangência das Redes Sociais, os usuários se transformam em vetores de “informações”. Se ele gostou de algum produto, serviço ou ideia ele será um divulgador potencial disso. A construção de uma tendência é reunir esses “vetores” e aponta-los para uma mesma direção. A empresa Apple fez isso de forma competente com seus produtos. Ela soube entender de seres humanos mais do que de produtos, satisfazendo as suas necessidades reais, que por vezes vão muito além das materiais. Os estudos de tendências ultrapassam o foro normal do marketing, da comunicação, da cultura, dos estudos de mercado e de consumo, da moda, da sociologia e da economia. Na verdade, são a mistura de todas estas áreas com uma orientação para a compreensão da natureza das vontades, dos desejos e dos padrões de comportamento dos indivíduos e dos grupos sociais.

Existem algumas reformas, entre tantas outras, que são urgentes em nosso país. A mãe de todas essas reformas é a Reforma Política. Que melhore a representatividade da população no Congresso. Sua irmã, é a Reforma Tributária, que torne nosso sistema tributário mais justo. Bob Fernandes da TV Gazeta, um dos melhores comentaristas sobre política da atualidade, aborda muito bem esse tema neste vídeo. (Sugiro assistir outros vídeos neste endereço).

Existe ainda uma reforma que é crucial para a melhora da sociedade que é a Regulamentacão dos Meios de Comunicação, ou seja, o fim do oligopólio da informação. Pois não podemos repetir o que aconteceu na noite de 22 de dezembro de 1988, quando o país inteiro parou para assistir o assassinato anunciado de Odete Roitman , uma vilã da novela Vale Tudo, interpretada por Beatriz Segall, na mesma noite que nos confins do Brasil, em Xapuri, morria assassinado Francisco Alves Mendes Filho, se no Brasil quase ninguém sabia da existência de Chico Mendes, mundo a fora havia essa preocupação com sua morte anunciada. No dia seguinte, em manchete de primeira página: “quem matou Odete Roitman? e em uma nota de rodapé “morre Chico Mendes”. Algo devia estar errado com essa sociedade e ainda está.

Portanto, a maior ameaça à democracia, à justiça social e o desenvolvimento socioeconômico desse país é o controle oligopolista de algumas empresas sobre a economia da informação. Citado as palavras do trabalhista inglês, Tony Benn: “ Acho que a democracia é a coisa mais revolucionária do mundo. Mais revolucionária do que ideias socialistas ou de qualquer outra pessoa. Se tiver poder, você o usa para prover as suas necessidades e as da sua comunidade. Essa é a ideia de escolha da qual “O Capital” fala constantemente: ‘Tem que ter uma escolha’. A escolha depende da liberdade de escolher. E, se estiver coberto de dívidas, não tem liberdade de escolha. Parece que o sistema se beneficia, se o trabalhador comum estiver coberto de dívidas. Pessoas endividadas perdem a esperança. E pessoas sem esperança não votam. Dizem que todas as pessoas devem votar. Mas acho que, se os pobres, na Grã-Bretanha ou nos Estados Unidos, [Brasil] votassem em pessoas que representassem seus interesses, seria uma verdadeira revolução democrática. E não querem que isso aconteça. Por isso mantêm as pessoas oprimidas e pessimistas. Penso que há duas formas de controlar as pessoas: primeiramente, assustando-as. E, em segundo, desmoralizando-as. Uma nação educada, saudável e confiante é mais difícil de governar. E acho que há um elemento no pensamento de algumas pessoas: Não queremos que as pessoas sejam educadas, saudáveis e confiantes. Porque ficariam fora de controle” (ver vídeo).

“Um por cento da população mundial detém 80% da riqueza. É incrível que as pessoas tolerem isso. Mas elas são pobres, estão desmoralizadas, estão assustadas. E então, pensam que o mais seguro é seguir ordens e esperar o melhor” (sugiro ler um novo economista francês que é fenômeno mundial chamado Piketty).

Por isso precisamos urgentemente de uma Reforma Política e nos Meios de Comunicação. Assim como mantermos o voto obrigatório, afinal: “o voto é um direito, mas, como qualquer outro direito, ele traz consigo obrigações. A educação também é um direito, mas os pais são obrigados a colocar os filhos na escola. A saúde é um direito, mas as famílias têm a obrigação de vacinar seus filhos. Mesmo o título dos direitos e garantias fundamentais é aberto com o capítulo que se intitula “Dos direitos e deveres individuais e coletivos”. O célebre e generoso art. 5.º, que expressa todo o sentido do apelido de “Constituição Cidadã” dado à Carta Magna brasileira, começa proferindo que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”. Do voto deveríamos pensar o mesmo. É um direito e igualmente uma obrigação. O cidadão que quer direitos está assumindo que tem uma relação com o Estado, que é o agente responsável por garantir esses direitos e cobrar as obrigações. O cidadão que tem o direito de reclamar do Estado, a plenos pulmões, é o mesmo que tem a obrigação de dizer ao Estado que rumo ele deve tomar. Para que o Estado represente o que o cidadão quer, o pressuposto é que ele, na condição de eleitor, diga o que quer e o que não quer (dica de site).


Cássio Moreira é economista, doutor em Economia do Desenvolvimento (UFRGS) e professor do IFRS – Câmpus Porto Alegre. www.cassiomoreira.com.br