sexta-feira, 18 de julho de 2014


Bestialização digital

Eduardo Mattos Cardoso
eduardomattoscardoso@gmail.com

Pensando no assunto “bestialização” lembrei do livro “Os Bestializados”, do historiador José Murilo de Carvalho. Neste livro o autor aborda o processo de proclamação da república em 1889, que ficou marcado ou inventado para a História brasileira com o 15 de novembro quando o Brasil passou de monarquia para república.

A principal contribuição de José Murilo de Carvalho nesta obra foi a constatação através de documentos que o “povo” simplesmente não participou da proclamação da república. Para José Murilo, o povo ficou “bestializado” com o que aconteceu, pois nem sabia o que estava acontecendo.

Invariavelmente na História brasileira foi quase sempre assim, ou seja, o “povo” - designação genérica da maioria da população – geralmente só assiste o que acontece no nosso país em termos políticos e consequentemente no que diz respeito ao que é público.

Alguns tentam relativizar com explicações de lugar-comum, para não dizer tolas. Expressões do tipo “cada um tem a sua opinião” são cada vez mais arrotadas em nome de uma individualidade travestida de padronização patética.

Antes se dizia que a padronização das mentes se devia a televisão. E que a internet e consequentemente o mundo digital levariam o ser humano a liberdade. Com as redes sociais o alardeamento de que o monopólio da informação ou desinformação tinha acabado se alastraram. As redes sociais seriam uma forma muito eficaz de mobilização social.

As manifestações de 2013 mostraram que realmente para mobilização as redes servem. O que não ficou claro era o que queriam reivindicar, ou seja, muitos foram para a rua por que muitos estavam indo para a rua, por que era o momento, mesmo sem saber direito o que estavam fazendo nas mesmas.

Mobilização com alienação para que serve? É evidente que a tecnologia é uma arma poderosa de transformação política e social se bem aproveitada. Por enquanto fico com dúvida. O deslumbramento com bobagens diante desse mundo digital/virtual está levando algumas pessoas à “bestialização” comportamental. Por onde a gente anda – casa, trabalho, escola, festa, etc. - quase sempre tem um chato querendo tirar “fotinho” ou mostrar “videozinho” em seus aparelhos e redes. Como se todo mundo gostasse disso.

Crônica publicada no jornal Fato em Foco do dia 18 de julho de 2014

Educação, eleição e discursos vazios

Eduardo Mattos Cardoso
eduardomattoscardoso@gmail.com

A seleção brasileira perdeu a semifinal vergonhosamente. Felipão assumiu. Ponto. Continua o evento. Segue a vida. O futebol só é sério para quem vive dele. Não é meu caso, nem da maioria do povo brasileiro. Coisa séria é eleição. Pelo menos deveria. O processo já começou.

Temos três meses pela frente para avaliar e escolher os melhores governantes e legisladores para o país e para o estado. Agora é a vez do “jogo” político. Esse jogo não poderia ser perdido nunca. No entanto, os indicativos não são muito animadores. Os discursos iniciais dos candidatos novamente são líquidos, ou seja, não se comprometem com nada, não afirmam nada. Em relação à educação, infelizmente, os discursos vazios continuam.

Sabemos que a “chave do cofre” está na mão do governo federal. Sem dinheiro não se muda. Mas dinheiro de verdade. Num país de economia capitalista como o nosso falar em melhora sem dinheiro é piada pronta. Antes da aprovação do novo PNE - Plano Nacional de Educação - que tramitou “apenas” por quatro anos no Congresso Nacional, se noticiava que se investia menos que 5% do PIB em educação. Tão logo foi sancionada a nova lei, os números mudaram como num passe de mágica para mais de 6%, exatamente 6,4% segundo informação oficial.

O novo PNE estabelece metas em investimento. A partir de sua aprovação prevê que em cinco anos se invista 7% do PIB em educação e ao final de dez anos 10%. Como maquiar números no Brasil é uma especialidade, não acredito que na prática isso ocorra. Não é pessimismo. É constatação de quem há muitos anos acompanha a área e sente na pele o faz de conta de investimento, paralelo ao aumento do caos educacional.

É preciso dizer com coragem que existe duas categorias de educação básica pública. A de “primeira classe” é bancada diretamente pela união através dos colégios militares, de aplicação das universidades federais e os institutos federais. O resto, estaduais e municipais, guardadas algumas raras exceções, são de “segunda classe”. Essas, que são a esmagadora maioria, estão abandonadas.

Crônica publicada no jornal Fato em Foco do dia 11 de julho de 2014

Tempos de escola

Eduardo Mattos Cardoso
eduardomattoscardoso@gmail.com

Há vinte anos comecei a cursar o Segundo Grau, que hoje se chama Ensino Médio. Era um privilégio ainda. Em 1994 cursar tal nível de educação não era obrigatório. Mas era necessário. A oferta de empregos não era como hoje. Era uma oportunidade que tínhamos de seguir a vida, continuar estudando e melhorá-la.

Tempo diferente. Geração peculiar aquela. Além de necessidades tínhamos ideias, paixões e vontade de mudar. A tecnologia era restrita. O computador ainda era de “outro mundo”. Internet muito mais. Parece que éramos menos “alienados” e controlados do que os jovens de hoje. Percepção ou constatação?

Os tempos e espaços pareciam outros, embora a escola, salas de aula e alguns professores e funcionários sejam os mesmos até hoje quando retornei como professor. Saudosismo? Pode ser. Mas era bom, como hoje também, guardados os gigantescos desafios da carreira e da educação.

Estudei os três anos do Segundo Grau usando a bicicleta como meio de transporte. Todos os dias, salvo algum de temporal muito severo, me deslocava do Santo Anjo até Três Cachoeiras pedalando. Mas geralmente não fazia essa “viagem” sozinho. Contava com a companhia dos amigos Mauro e Maurício que também encaravam a aventura diária de “magrela”. A parceria estreitava a relação de amizade.

Estudávamos à tarde. Naquele ano só tinha nesse turno. O almoço tinha que ser reforçado, pois não tinha merenda para as turmas daquele nível. Mas recordo com muito carinho das “tias” da merenda que sempre que possível nos davam algumas bolachas ou o que sobrava da merenda do dia.

Em 1996, quando me formei, a educação começava a passar por mudanças. Foi aprovada a LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, através da lei 9.396 do mesmo ano. De lá para cá sofreu alterações significativas como, por exemplo, a obrigatoriedade da matrícula dos 4 aos 17 anos de idade.

Há vinte anos eu era aluno. Ia à escola por vontade, sem obrigação. Hoje assisto, como professor, a obrigatoriedade sem comprometimento, com ônibus na porta de casa e merenda digna todos os dias para todos os alunos, entre outras facilidades. Será que vai dar certo?

Crônica publicada no jornal Fato em Foco do dia 04 de julho de 2014

Um homem perigoso

Eduardo Mattos Cardoso
eduardomattoscardoso@gmail.com

Na última terça-feira, 24 de junho de 2014, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul deu continuidade ao projeto Gaúchos da História. O personagem desta vez foi Leonel Brizola, o estadista da educação. O seminário teve como tema “Pensamento, legado político e social do grande líder trabalhista gaúcho” e contou com painelistas e debatedores políticos e jornalistas. A data é pela passagem de dez anos da morte de Brizola ocorrida em 2004.

Não é de agora que “os donos do poder” tentam “avacalhar” a política. Depois que o PT gostou “do jogo jogado” quando chegou ao poder em 2003, ficou fácil e confortável para a mídia dominante arrotar o tempo todo que “político é tudo igual”. Lula que representava a mudança confirmou isso. Caímos no conto do novo estadista que talvez pelas condições em que foi gestado nunca poderia ser tal.

Quando Lula ainda parecia autêntico de esquerda, Brizola aceitou ser seu vice. Era tarde. O PT de esquerda não poderia chegar ao poder. Muito menos Brizola, que segundo “os donos do poder”, era a verdadeira ameaça. Ingenuidade pensar que quem manda no Brasil “dorme de touca”. O serviço secreto dos EUA anotava no início da década de 1960: “Esse governador expulsou duas empresas nossas, de telefonia e energia elétrica, e ainda construiu escolas por todo estado. Leonel Brizola é perigoso”.

Trabalhismo vem de trabalho. Era a marca de Brizola, João Goulart e Getúlio Vargas. Mas no fim da década de 1970, com a abertura política, surgia um novo partido em nome do trabalho, o Partido dos Trabalhadores. As afirmações de Léo de Almeida Neves (Deputado cassado em 1969 pela Ditadura) sobre o período são interessantes: “Entrou em ação o “mago do regime”, o estrategista General Golbery do Couto e Silva. Houve tolerância para as reivindicações operárias do ABC paulista, conduzidas por Luiz Inácio Lula da Silva, e ao robustecimento de um sindicalismo sem compromissos com o trabalhismo, e desvinculado de Brizola. Depois, serviram-se da ex-deputada Ivete Vargas, cujo marido trabalhava para Golbery, a fim de aprovar um simulacro de partido de apoio ao sistema vigente, já nos seus estertores. Manobrando com a frágil Justiça Eleitoral da ocasião, conseguiram registrar um artificial PTB, solidário ao governo inclusive nas votações no Congresso”.

Brizola e o autêntico trabalhismo, a partir de um novo partido, teriam chance?

Crônica publicada no jornal Fato em Foco no dia 27 de junho de 2014

O Trabalhismo como alternativa de esquerda dentro do capitalismo: a evolução do nacional-desenvolvimentismo para o social-desenvolvimentismo – Parte 1 (por Cássio Moreira)

O projeto trabalhista brasileiro teve sua germinação durante o primeiro governo de Vargas. Getúlio Vargas ascendeu ao poder por meio de um golpe de estado. A Revolução de 1930, comandada por Vargas veio romper com a chamada Política Café com Leite, onde paulistas e mineiros alternava-se na Presidência da República por meio de eleições manipuladas. Com o rompimento do acordo por parte dos paulistas, os mineiros uniram-se aos gaúchos e outras oligarquias e Vargas tomou o Palácio do Catete, capital do país e sede do Governo na época. Com Vargas, terminou-se a República Velha e iniciou-se o governo provisório. Em 1937 instalou um regime ditatorial, que causou uma revolução no estado brasileiro. O Estado Novo, em que pese a censura, tortura e restrição as liberdades por meio do autoritarismo foi essencial para a consolidação do estado nacional. Em 1951, Vargas volta ao poder nos braços do povo por meio de eleições democráticas e aprofundou mudanças iniciadas em seu primeiro governo.

Muitos críticos de Vargas atribuem a ele o termo populista, não no sentido de governo popular, e sim no sentido de demagogo, manipulador das massas. Entretanto, como resposta fica o questionamento de qual governo fez mais pelos trabalhadores depois dele? Logo que terminou seu primeiro governo, Vargas incentivou a criação de dois partidos no Brasil. No espectro mais de centro surgiu o Partido Social Democrático (PSD) de base getulista e ruralista. Mais a esquerda, dentro dos limites do capitalismo, criou-se o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) de base operária e também getulista. Fazendo o contraponto ao getulismo, no espectro mais de direita, surgiu a União Democrática Nacional (UDN), posteriormente transformada em ARENA que deu sustentação à ditadura militar.

No segundo governo Vargas, eleito pelo PTB (antigo) o novo presidente imprimiu a marca de seu governo, com a criação do PETROBRAS e do BNDE (depois acrescentou o “S” de social) consolidou o Estado como principal direcionador do desenvolvimento socioeconômico e com contribuições indeléveis de alguns pensadores, como Alberto Pasqualini, deixou o seu maior legado ao país: o projeto trabalhista (esboçado em sua carta-testamento).

O termo Trabalhismo é a denominação dada ao movimento operário para defesa dos seus interesses econômicos e políticos, sem ligação direta com os princípios socialistas vigentes na época da URSS. Originalmente, ele teve início na Inglaterra do século XIX, paralelamente à ideologia socialista com as lutas dos sindicatos por direitos trabalhistas e sociais. Embora o surgimento da legislação trabalhista e da justiça do trabalho tenha sido, em parte, consequência do processo de luta e das reivindicações operárias desenvolvida pelo mundo, o termo “justiça do Trabalho” surgiu na Constituição de 1934, durante do governo Vargas. Mas na prática foi efetivada com o Decreto-lei nº 1.237 de 1939. Surgindo posteriormente, em 1942, a CLT. O dia simbólico para a assinatura foi no 1º de maio durante a comemoração do Dia do Trabalhador em um estádio lotado no Rio de Janeiro. Nela foi regulamentando vários direitos tais como: o registro do trabalhador em uma carteira de trabalho, a jornada de trabalho, o período de descanso, de direito a férias, medicina do trabalho, a justiça do trabalho e processo trabalhista, a proteção do trabalho da mulher, a organização sindical, etc.

Com a renúncia de Jânio Quadros, o vice-presidente João Goulart, o herdeiro político de Vargas, assumiu o poder em 1961 e tentou retomar o projeto varguista. No aspecto da legislação trabalhista, Jango expandiu a legislação para o campo e institui o décimo terceiro salário entre outras medidas. Na parte econômica e social tentou instituir as mudanças estruturais de uma economia em vias de industrialização, acrescentando novo ingrediente ao trabalhismo brasileiro: as reformas de base. Conforme Moniz Bandeira, esse projeto visava implementar uma espécie de social-democracia brasileira.

O projeto Vargas, chamado de Nacional-Desenvolvimentismo era representado pela tríade nacionalismo-industrialização-intervencionismo. Com o acréscimo da preocupação com o social (por meio das reformas de base com viés distributivista) esse projeto foi se transmutando no projeto trabalhista brasileiro.

O conceito de trabalhismo, surgido na Inglaterra, passou por transformações adaptando-se à realidade brasileira e adquirindo características próprias. Nessas mudanças tiveram importância fundamental os escritos de Alberto Pasqualini, que tinha como base os princípios do solidarismo cristão (democracia-cristã). Pasqualini definia o trabalhismo como expressão equivalente a de capitalismo solidarista. Por esta expressão, tem-se que a ideologia trabalhista reconhece o capitalismo como sistema econômico, defendendo consequentemente a propriedade privada. Porém, a ideologia trabalhista defende uma intervenção do Estado na economia, de modo a corrigir os excessos do sistema capitalista e atingir uma forma mais equilibrada e humana do capitalismo, dando ênfase nas políticas públicas com objetivo de melhorar a condição de vida dos trabalhadores, o que seria atingindo baseado na “conciliação de classes”. O trabalhismo sustenta a prevalência do trabalho sobre o capital, buscando a sua convivência harmônica, bem como a superação das diferenças de classe, sem violência, por meio da melhor distribuição da riqueza e da promoção da justiça social. Salienta Pasqualini que “o trabalhismo não é, pois, necessariamente, um movimento socialista. Como vimos, o socialismo não é um fim, mas um meio, isto é, uma forma de organização econômica tendo em vista a eliminação da usura social”.

Portanto, conforme a doutrina trabalhista, o capital deve ser um conjunto de meios instrumentais ou aquisitivos, dirigidos e coordenados pelo Estado, e muitas vezes executado pela iniciativa privada, mas sempre tendo em vista o desenvolvimento da economia e o bem-estar coletivo. As ideias de Alberto Pasqualini centravam-se numa plataforma reformista que tinha como objetivo transformar o “capitalismo individualista em capitalismo solidarista, com uma socialização parcial do lucro”. Pasqualini acreditava que a ação governamental deveria ser eminentemente pedagógica. A condução política far-se-ia pelo esclarecimento da sociedade, via mudança de mentalidade. O sistema educacional era, para ele, o caminho mais eficaz para realizar as reformas sociais, políticas e econômicas, superando assim o subdesenvolvimento do país. Sua concepção de Estado era a de que ele era fruto da evolução da sociedade. Ao fazer uso de uma analogia entre “cérebro e corpo”, o Estado é o cérebro da sociedade, o órgão mais especializado e complexo ao qual cabe um papel de direção e organização.

Portanto, as reformas necessárias ocorreriam por meio da mudança de mentalidade. Para isso era necessária uma reforma na consciência social, que diminuiria as práticas egoístas e as substituiria por ações solidárias, tais como cooperação, ordem, harmonia, lealdade, evitando, portanto, o confronto entre os interesses individuais (egoístas) com os interesses coletivos (morais). Pasqualini destacou principalmente a função moral do Estado: executar na prática o sistema solidário com suas especificidades. O trabalhismo está à esquerda no sistema capitalista, assim como era o oposto do liberalismo na década de 50-60 atualmente é o oposto ao neoliberalismo econômico hegemônico nos anos 90. Não visa acabar com o capitalismo, mas adapta-lo a realidade brasileira. Nesse sentido a regulamentação dos meios de comunicação conforme prevê a constituição de 1988 (§ 5º – Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio), ou seja, a não existência de oligopólio no setor de informação passa a ser fundamental para incentivar esses valores solidários e coibir as ações egoístas.

Conclui Pasqualini que a socialização integral dos meios de produção (socialismo soviético, cubano, chinês) no estado atual da humanidade, poderia trazer ainda outros inconvenientes, pois o Estado se tornaria todo poderoso e seria difícil encontrar homens perfeitos para geri-lo. Acreditava ele que a tendência era para aumentar as funções do Estado, evoluindo da função simplesmente policial à função social e à função econômica. Essa evolução, porém, está condicionada a um maior grau de perfeição dos homens. Por outro lado, não será demais observar que, se a forma socialista da produção pode ser desaconselhada, não será para atender aos interesses capitalistas, mas para atender ao maior interesse da própria coletividade. Será desnecessário esclarecer que há setores da economia onde a socialização ou a estatização se impõe. Não há hoje países onde impere o puro regime capitalista.

Assim como Pasqualini, outra referencia para o trabalhismo é Celso Furtado. Em um dos seus últimos artigos, Furtado deixa uma síntese de sua obra numa equação para uma estratégia de desenvolvimento nacional que são os pilares do projeto trabalhista brasileiro atualmente.

DESENVOLVIMENTO SÓCIOECONÔMICO = CRESCIMENTO DA RENDA E EMPREGO + POLÍTICA SOCIAL ATIVA

Atualmente, alguns pensadores formularam um novo termo para definir o aperfeiçoamento do projeto trabalhista, ou seja, o social-desenvolvimentismo que se baseia na associação entre aspectos econômicos e sociais em uma associação biunívoca. O social-desenvolvimentismo mantém o caráter progressista do nacional-desenvolvimentismo, mas como uma adaptação a um novo contexto marcado pela globalização. Procura fortalecer a associação entre povo e estado por meio da democratização econômica e reconhece que o papel do Estado deixou de ser fortemente interventor ou produtor para se tornar regulador ou indutor, isto é, por meio de planejamento indicativo e coordenação indireta. A nova tríade, que é uma evolução do nacional-desenvolvimentismo, consiste, portanto, em inclusão social – infraestrutura econômica e social – capacitação profissional.

A liberdade e a solidariedade são bem maiores para um povo. São como pernas. Uma precisa da outra para termos o equilíbrio. Apenas podemos ter desenvolvimento com liberdade. Liberdade de escolha. Da possibilidade que as pessoas têm de desenvolver suas capacidades inatas como seres humanos e indivíduos sociais. O desenvolvimento econômico e social passa, portanto, na democracia econômica e para isso as pessoas poderem ter acesso à saúde, educação, moradia, segurança, renda e cultura.

Para finalizar as palavras do trabalhista inglês Tony Benn sintetizam bem esse conceito: “acho que a democracia é a coisa mais revolucionária do mundo. Mais revolucionária do que ideias socialistas ou de qualquer outra pessoa. Se tiver poder, você o usa para prover as suas necessidades e as da sua comunidade. Essa é a ideia de escolha da qual “O Capital” fala constantemente: ‘Tem que ter uma escolha’. A escolha depende da liberdade de escolher. E, se estiver coberto de dívidas, não tem liberdade de escolha. Parece que o sistema se beneficia, se o trabalhador comum estiver coberto de dívidas. Pessoas endividadas perdem a esperança. E pessoas sem esperança não votam. Dizem que todas as pessoas devem votar. Mas acho que, se os pobres, na Grã-Bretanha ou nos Estados Unidos, [Brasil] votassem em pessoas que representassem seus interesses, seria uma verdadeira revolução democrática. E não querem que isso aconteça. Por isso mantêm as pessoas oprimidas e pessimistas. Penso que há duas formas de controlar as pessoas: primeiramente, assustando-as. E, em segundo, desmoralizando-as. Uma nação educada, saudável e confiante é mais difícil de governar. E acho que há um elemento no pensamento de algumas pessoas: Não queremos que as pessoas sejam educadas, saudáveis e confiantes. Porque ficariam fora de controle”.

Cássio Moreira é economista, doutor em Economia do Desenvolvimento (UFRGS) e professor do IFRS – Câmpus Porto Alegre