terça-feira, 28 de janeiro de 2014


Tempo de praia


Eduardo Mattos Cardoso

Professor Mestre em História - eduardomattoscardoso@gmail.com


Dia desses passei pela praia Itapeva.

Observei muitas coisas.

De cara pensei numa comparação.

Comprovei em minha Dissertação de Mestrado a tese de que Torres, enquanto estação balnear, foi inventada pela elite porto-alegrense na primeira metade do século XX.

E quem inventou a praia Itapeva? Só pode ter sido a “elite” trescachoeirense.

É claro que hoje o público veranista da Itapeva é mais eclético no sentido de origem. Mas predomina a “elite” da terrinha.

Lembrei-me de Érico Veríssimo em “Um romancista apresenta sua terra”.

Fiz uma adaptação livre:

- Está vendo aquela praia igual a muitas outras do litoral gaúcho com areia e mar, mas que tem ao norte o morro e o parque da Itapeva? Eles dão o nome a uma das mais belas praias, onde espécimes da elegante fauna do Café Society de Três Cachoeiras - a que um cronista malicioso chamou Nescafé Society - costumam passar os verões...

A praia parece ser o teatro onde a sociedade se revela e evidencia os jogos e ritos em que se baseia.

A praia aparece à análise como um desses lugares privilegiados onde a sociedade se encena, com os seus ritos, símbolos, costumes festivos, convenções, desejos, normas, divisões, alianças, enfim a sua lógica organizadora e os seus sentimentos.

Na praia, a sociedade exibe-se, observa-se, entreolha-se e encena-se a si própria para ela mesma.

Além do papel desempenhado pelo narcisismo individual, a homogeneidade e as semelhanças manifestam-se ao nível dos grupos, familiares e de classe.

Assim, o veranista comporta-se a partir de unidades de referência como a família ou o grupo de amigos, transplantando para a praia o modelo de sociabilidade quotidiano, sensivelmente aliviado de constrangimentos materiais e morais e simultaneamente acrescido de novos constrangimentos. Ou seja, a praia é apropriada socialmente e investida de sentidos pelos que a frequentam e representam, manifestando a tensão entre a procura de uma escapatória face às emoções, comportamentos e ordem social dominantes, por um lado, e a conquista de um universo acolhedor, familiar e, de algum modo, identitário, por outro.

Como em diversos outros lugares, os indivíduos na praia recusam a alteridade e desejam encontrar espaços de identidade e similitude.

E é sobre a base desta rejeição e desse desejo que se organiza o microcosmos balnear como sistema de signos e de normas comportamentais onde prevalecem o olhar e a aparência. Vamos à Itapeva!


Artigo publicado no jornal Fato em Foco do dia 24 de janeiro de 2014

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014


Tempo de visitas 

Eduardo Mattos Cardoso

Professor Mestre em História - eduardomattoscardoso@gmail.com


Fim e início de ano é tempo de festa, férias, viagens e de receber visitas.

Isso mesmo: visitas.

É uma satisfação muito grande receber velhos e novos amigos. E também os parentes.

Nesse mundo globalizado e com gente morando em tudo quanto é canto do mundo, até parente que mora no exterior apareceu.

O mundo está mudado!

Mas esse assunto, o de visita, nem sempre foi assim muito tranquilo. Tem História, processo, mudança, evolução e inflexão.

Lá pelas décadas de 1960 e 1970 era diferente. Era tempo de família grande. Nem todos ficavam no interior. Alguns rumavam para capital Porto Alegre em busca de melhores condições de vida. E lá formavam suas famílias.

Em época de férias debandavam com a família inteira para visitar os parentes do interior. A criançada tomava conta. Era tempo difícil financeiramente. Não tinha aposentadoria e nem mercado na esquina. Uma ou outra família trazia mantimentos para a temporada. Outras não.

O tempo passou.

Pelos idos da década de 1980 e início dos 90 o tipo de visita mudou. Era meu tempo de criança. As visitas de parentes eram mais escassas. Volta e meia tios, tias, primos ou primas apareciam. Detestava quando certos parentes apareciam. Coisa de criança. Eram daqueles que pegavam as crianças pelo rosto e quase nos levantavam dizendo: - Tá bonitinho esse guri!

Além disso, a parentada vinha para o interior se exibir. Mostrar seus carros, suas roupas e suas conversas fiadas, tentando aparecer.

Foi nesse período que conheci o tal do laquê que as mulheres usavam no cabelo. O produto funcionava tão bem que mesmo depois de dormir uma noite acordavam com o penteado intacto. Coisas da modernidade e da cidade naqueles anos. 

Duas décadas adiante.

Hoje está muito diferente.

Visitas de parentes são raras. Às vezes nos perguntamos se esqueceram de nós. Até os de perto não aparecem.

O que será que está acontecendo? Muitos compromissos, muitas festas, muitas viagens, muito trabalho, enfim, o tempo da pós-modernidade modificou e continua modificando profundamente a vida e consequentemente as relações humanas.

Ainda bem que os amigos não se esquecem da gente e nos visitam.

São agradáveis momentos para botar a conversa em dia e não cair na armadilha do consumo desenfreado de coisas, lugares e achismos.

Os visitantes são outros.

Fico feliz em poder passar com vocês esses momentos.

Artigo publicado no Jornal Fato em Foco do dia 17 de janeiro de 2014.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014


A conta da festa

Eduardo Mattos Cardoso

Professor Mestre em História - eduardomattoscardoso@gmail.com


Adoro Três Cachoeiras! Toda semana surpreende.

Não é um lugar original ao pé da letra, mas apronta cada uma! Sempre tem uma novidade.

Uma das últimas: Quartinho se acha artista! Eu não sabia que “nosso guia” tinha um dom escondido. E para minha surpresa é o de cantor.

Vejam só caros leitores.

Virou “celebridade”.

Ganhou do Papai Noel.

O velhinho deve ter ficado magoado.

Viver um pouco de fantasia alivia. Afinal, o mundo real é muito duro. Temos que trabalhar, pagar conta, discutir relação, criar e educar filho, entre outras coisas que nós mortais imperfeitos criamos.

Melhor acreditar no Papai Noel do que em prefeito. Mas vale também acreditar no Lobo Mau, no Boi da Cara Preta, no novo salário mínimo de R$ 724,00 e no futebol. A CBF e a FIFA já fazem parte do folclore brasileiro, com suas lendas e pegadinhas.

Fazer de conta.

Essa é a máxima atual: adeus faz de conta velho, feliz faz de conta novo; que todo faz de conta se realize no ano que vai nascer; pouco dinheiro no bolso, muita conta para pagar e alma para vender!

Nessa época tudo é festa.

Aliás, começamos o ano com festa. Só o que faltava era começar ano novo trabalhando.

Não sejamos demagógicos. Festa é melhor que trabalho.

E o ano de 2014 promete. Festa e mais festa. Além das tradicionais (Carnaval...) no próximo ano temos Copa do Mundo e Eleições. Tudo coisa séria. É a Festa do Futebol e a Festa da Democracia.

Falando nisso, em Festa, ouvi falar numa genial ideia.

Só podia ser coisa de Três Cachoeiras! Essa cidade está sempre na vanguarda. “Festa Nacional do Imposto” - agora com a denominação “Nacional” para poder tomar verba federal.

Tão boa foi a recepção do AUMENTO DE IMPOSTOS por parte da população que o entusiasmo está tomando conta. Eu também adoro pagar impostos e taxas, ainda mais com aumento de 100, 200, 300, 400 ou 500% ou mais, e com o retorno imediato em obras e serviços que temos direito.

O ano de 2013 nem terminou, mas já estou com saudade.

Foi pura festa e alegria: 44% de AUMENTO para secretários, Ginásio de R$ 300.000,00 mandado embora, Patrola para todo lado, Empréstimo de R$ 700.000,00 para rua amiga, Santana reformado por R$ 11.000,00 e vendido por R$ 10.000,00, entre outras realizações fantásticas e, para fechar com “chave de ouro”, AUMENTO DE IMPOSTOS.


Artigo publicado no Jornal Fato em Foco do dia 27 de dezembro de 2013.