quinta-feira, 17 de abril de 2014

Como fomentar a selvageria no futebol (por Dejalme Andreoli)

Meus parabéns ao jornalista Hiltor Mombach em artigo publicado no jornal Correio do Povo de 12/04/2014, p.15, por sua honestidade profissional ao denunciar a origem dos vândalos que prejudicam os jogos de futebol. É muito oportuna a sua denúncia. Como cidadão já pertencente ao contingente dos que soma 75 anos de vida, e que aprendeu muito na escola da vida, quero contribuir para o debate da existência dos baderneiros nos jogos de futebol. Já na minha infância, lá na saudosa comunidade de Osório, eu assistia a eventos esportivos desta natureza. Naquela época, a cada ano, o E.C. Sul Brasileiro de Osório, jogava duas partidas de futebol com o E.C.Jaú de Santo Antonio da Patrulha. O vencedor continuava em busca da taça de campeão amador regional e/ou estadual. Forte contingente policial dividia os torcedores em uma lado e outro do campo e ainda tinham que garantir a integridade física do juiz. E assim mesmo muita briga, muita correria eu assisti nos vários jogos de futebol. Mais tarde, como professor de teoria econômica na Faculdade de Lajeado, eu ouvia dos alunos relatos semelhantes nas disputas entre os times desta cidade e de Estrela. Comportamento de torcedores desta natureza é comum em outras cidades e em outros países. Lembrete: 24 de maio de 1964 em Lima no Peru o saldo do jogo entre o representante local e o da Argentina foi de 319 mortos e 500 feridos. Na Europa, em vários países, e em vários momentos históricos, temos conhecimento de eventos desta natureza.

Pelas evidências históricas que o tempo nos fornece, torna-se lícito levantarmos a seguinte questão: Os dirigentes de clubes de futebol, tendo consciência desta problemática histórica nos campos de futebol, ainda assim, protegem estes baderneiros e incentivam seus atos nas diferentes formas explícitas em seu relato no artigo publicado no jornal Correio do Povo, dia 12 de abril próximo.

Ofereço uma tentativa de explicação a partir da lógica de funcionamento da sociedade em busca da satisfação de suas necessidades materiais, ou seja, pela teoria econômica. Neste âmbito, cada um de nós é um cidadão que, ao aplicar a sua renda na busca da satisfação de suas necessidades materiais, estabelece uma escala de prioridades dando maior importância aos bens mais essenciais, como alimentação, vestuário, moradia. Só que a partir da ação de um “Senhor chamado Goebels”, na instalação do poderio econômico nazista na Alemanha, foram inventadas formas sofisticadas de interferir nesta escala de prioridades, na vontade soberana dos consumidores. Criou-se um novo ramo da ciência de comunicação: a propaganda. Hoje, com os sofisticados e abrangentes meios de comunicação manipula-se esta escala ao ponto de transformar os consumidores racionais em consumidores servis ao que é ditado pelas diferentes formas de propaganda. Nesta sistemática de criar consumidores servis torna-se muito importante a figura do cidadão fanático. Como fanático não pensa, age por instinto, torna-se o consumidor ideal para os vendedores de bens e serviços. Este fanatismo pode aparecer no âmbito das atividades religiosas, das atividades políticas, das atividades de lazer, das quais o futebol é uma das mais importantes. Torcedor fanático de um clube de futebol paga qualquer preço por um bem que tem as cores, o distintivo, o rosto de um dos jogadores, ou qualquer outra referência ao seu “time do coração”. Deixa de ser o consumidor racional, e se torna presa fácil dos mecanismos sofisticados da propaganda. Os meios de comunicação, frequentemente, enaltecem a condição de cidadão fanático. Aparecem na televisão, nas páginas de jornal, pela única virtude de ser fanático. Existe até uma entidade que, por vezes, lança, em páginas inteiras dos jornais, matérias de incentivo pela formação da Liga dos Fanáticos. São cidadãos servis a uma causa, a um ícone, etc. perdendo a condição de ser racional.

O papel destes grupos de torcedores fanáticos, incentivados de diversas formas no âmbito dos clubes, como vimos no texto do jornalista Hiltor Mombach, referido acima, é o de formar a “tropa de elite de fanáticos” para satisfazerem interesses dos dirigentes dos clubes. Acrescentado-se ao papel dos meios de comunicação em elogiar, mostrar como é bonito o cidadão ter “um time do coração”, ser fanático, enfim, trazem os lucros que sustentam os ganhos econômicos desta fantástica teia de interesses que envolvem atividades de diferente natureza. Ganham as empresas que pagam os direitos de imagem, os jogadores que têm dois contratos: o de jogador de futebol e de ícone para propaganda, os empresários que mediam todas estas transações. Os dirigentes de clube e os jornalistas esportivos, os políticos que se declaram apaixonados por entidade futebolística.

Por tudo isto devemos chegar ao entendimento que o que se vê é o uso do instinto belicoso que está no fundo do nosso ser, que aflora quando perdemos a condição de ser racional. Isto explica porque cidadãos bem formados, com cargos importantes no mundo do trabalho, enviaram mensagens agressivas, aos profissionais dos meios de comunicação que fizeram a cobertura da reinauguração do Estádio do Internacional. Bacharéis, doutores, nobres, edis, etc. , também podem fazer parte da legião de fanáticos que sustenta esta máquina fantástica de “fazer dinheiro” para serem apropriados por cidadãos bem posicionados nela. Mas isto tem um preço. É o de que fanático não pensa, age pelo instinto, desaparecendo a característica que nos difere do animal. Daí se vê a causa básica do fomento a selvageria no futebol.



Dejalme Andreoli, economista e professor aposentado