domingo, 10 de novembro de 2013


Aos nossos malandros, com carinho

Eduardo Mattos Cardoso

Professor Mestre em História - eduardomattoscardoso@gmail.com


Temos uma moda que nunca foge da moda: ser malandro. Já dizia o cantor Bezerra da Silva: “malandro é malandro e mané é mané”... O bonito é ser malandro. Do contrário é “otário”, “trouxa” e outros adjetivos carinhosos. Cada vez mais o sentimento de malandragem vai se naturalizando. Questão de sobrevivência, dizem alguns. De certa forma têm razão. Nossa cultura é permeada diariamente pelo “jeitinho”. É mais fácil tentar dar um “jeitinho” do que assumir que erramos e pagar pelo erro. É mais fácil usar máscara.

Uma leitura que nos ajuda a entender um pouco melhor o “jeitinho brasileiro” é Carnavais, malandros e heróis, de Roberto DaMatta. Não é uma novidade, mas é atual. É uma “viagem sociológica” a um Brasil que mostra a sua cara. Uma das partes mais interessantes é onde trata do “sabe com quem está falando?” ao “medalhão”. E a mistura do público e do privado? E as amizades? Sempre é bom ser amigo de um “medalhão”, de um dono do poder. Nesse quesito, “aos inimigos a lei, aos amigos, tudo! Ou seja, para os adversários, basta o tratamento generalizante e impessoal da lei, a eles aplicada sem nenhuma distinção e consideração, isto é, sem atenuantes. Mas, para os amigos, tudo, inclusive a possibilidade de tornar a lei irracional por não se aplicar evidentemente a eles”. É a lógica de uma sociedade formada de “panelinhas”, “cabides” e de busca de projeção social.

Temos os nossos malandros também. Nossa cidade está cheia deles e delas. Sem distinção de gênero, embora seja comum ouvir expressões do tipo: “aquela é esposa do fulano”. O “sabe com quem está falando?” se destaca principalmente com a distinção de classe, pelo destaque econômico, político, profissional, entre outros. Além disso, tem os jogos de aparência, ou seja, “não basta ser, tem que parecer ser”. Algumas pessoas se dedicam muito para isso. Para tristeza de algumas, essa “busca pelo impossível” vira motivo de chacota.

Entretanto, o “sabe com quem está falando?” pode se esconder no anonimato. E por vezes pode desmascarar situações ou posições sociais. Assim, segundo DaMatta, “numa cidade pequena não se usa essa forma de fuga ao anonimato, simplesmente porque o anonimato não existe”. O que resta muitas vezes é montar uma “tropa de choque” de puxa sacos de plantão para fazer o serviço sujo, os “jeitinhos”. E os malandros (por aqui chamados de “ligeiros”) pousarem de “bons moços”.


Artigo publicado no jornal O Fato em Foco do dia 08 de novembro de 2013.