sexta-feira, 18 de julho de 2014


O Trabalhismo como alternativa de esquerda dentro do capitalismo: a evolução do nacional-desenvolvimentismo para o social-desenvolvimentismo – Parte 1 (por Cássio Moreira)

O projeto trabalhista brasileiro teve sua germinação durante o primeiro governo de Vargas. Getúlio Vargas ascendeu ao poder por meio de um golpe de estado. A Revolução de 1930, comandada por Vargas veio romper com a chamada Política Café com Leite, onde paulistas e mineiros alternava-se na Presidência da República por meio de eleições manipuladas. Com o rompimento do acordo por parte dos paulistas, os mineiros uniram-se aos gaúchos e outras oligarquias e Vargas tomou o Palácio do Catete, capital do país e sede do Governo na época. Com Vargas, terminou-se a República Velha e iniciou-se o governo provisório. Em 1937 instalou um regime ditatorial, que causou uma revolução no estado brasileiro. O Estado Novo, em que pese a censura, tortura e restrição as liberdades por meio do autoritarismo foi essencial para a consolidação do estado nacional. Em 1951, Vargas volta ao poder nos braços do povo por meio de eleições democráticas e aprofundou mudanças iniciadas em seu primeiro governo.

Muitos críticos de Vargas atribuem a ele o termo populista, não no sentido de governo popular, e sim no sentido de demagogo, manipulador das massas. Entretanto, como resposta fica o questionamento de qual governo fez mais pelos trabalhadores depois dele? Logo que terminou seu primeiro governo, Vargas incentivou a criação de dois partidos no Brasil. No espectro mais de centro surgiu o Partido Social Democrático (PSD) de base getulista e ruralista. Mais a esquerda, dentro dos limites do capitalismo, criou-se o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) de base operária e também getulista. Fazendo o contraponto ao getulismo, no espectro mais de direita, surgiu a União Democrática Nacional (UDN), posteriormente transformada em ARENA que deu sustentação à ditadura militar.

No segundo governo Vargas, eleito pelo PTB (antigo) o novo presidente imprimiu a marca de seu governo, com a criação do PETROBRAS e do BNDE (depois acrescentou o “S” de social) consolidou o Estado como principal direcionador do desenvolvimento socioeconômico e com contribuições indeléveis de alguns pensadores, como Alberto Pasqualini, deixou o seu maior legado ao país: o projeto trabalhista (esboçado em sua carta-testamento).

O termo Trabalhismo é a denominação dada ao movimento operário para defesa dos seus interesses econômicos e políticos, sem ligação direta com os princípios socialistas vigentes na época da URSS. Originalmente, ele teve início na Inglaterra do século XIX, paralelamente à ideologia socialista com as lutas dos sindicatos por direitos trabalhistas e sociais. Embora o surgimento da legislação trabalhista e da justiça do trabalho tenha sido, em parte, consequência do processo de luta e das reivindicações operárias desenvolvida pelo mundo, o termo “justiça do Trabalho” surgiu na Constituição de 1934, durante do governo Vargas. Mas na prática foi efetivada com o Decreto-lei nº 1.237 de 1939. Surgindo posteriormente, em 1942, a CLT. O dia simbólico para a assinatura foi no 1º de maio durante a comemoração do Dia do Trabalhador em um estádio lotado no Rio de Janeiro. Nela foi regulamentando vários direitos tais como: o registro do trabalhador em uma carteira de trabalho, a jornada de trabalho, o período de descanso, de direito a férias, medicina do trabalho, a justiça do trabalho e processo trabalhista, a proteção do trabalho da mulher, a organização sindical, etc.

Com a renúncia de Jânio Quadros, o vice-presidente João Goulart, o herdeiro político de Vargas, assumiu o poder em 1961 e tentou retomar o projeto varguista. No aspecto da legislação trabalhista, Jango expandiu a legislação para o campo e institui o décimo terceiro salário entre outras medidas. Na parte econômica e social tentou instituir as mudanças estruturais de uma economia em vias de industrialização, acrescentando novo ingrediente ao trabalhismo brasileiro: as reformas de base. Conforme Moniz Bandeira, esse projeto visava implementar uma espécie de social-democracia brasileira.

O projeto Vargas, chamado de Nacional-Desenvolvimentismo era representado pela tríade nacionalismo-industrialização-intervencionismo. Com o acréscimo da preocupação com o social (por meio das reformas de base com viés distributivista) esse projeto foi se transmutando no projeto trabalhista brasileiro.

O conceito de trabalhismo, surgido na Inglaterra, passou por transformações adaptando-se à realidade brasileira e adquirindo características próprias. Nessas mudanças tiveram importância fundamental os escritos de Alberto Pasqualini, que tinha como base os princípios do solidarismo cristão (democracia-cristã). Pasqualini definia o trabalhismo como expressão equivalente a de capitalismo solidarista. Por esta expressão, tem-se que a ideologia trabalhista reconhece o capitalismo como sistema econômico, defendendo consequentemente a propriedade privada. Porém, a ideologia trabalhista defende uma intervenção do Estado na economia, de modo a corrigir os excessos do sistema capitalista e atingir uma forma mais equilibrada e humana do capitalismo, dando ênfase nas políticas públicas com objetivo de melhorar a condição de vida dos trabalhadores, o que seria atingindo baseado na “conciliação de classes”. O trabalhismo sustenta a prevalência do trabalho sobre o capital, buscando a sua convivência harmônica, bem como a superação das diferenças de classe, sem violência, por meio da melhor distribuição da riqueza e da promoção da justiça social. Salienta Pasqualini que “o trabalhismo não é, pois, necessariamente, um movimento socialista. Como vimos, o socialismo não é um fim, mas um meio, isto é, uma forma de organização econômica tendo em vista a eliminação da usura social”.

Portanto, conforme a doutrina trabalhista, o capital deve ser um conjunto de meios instrumentais ou aquisitivos, dirigidos e coordenados pelo Estado, e muitas vezes executado pela iniciativa privada, mas sempre tendo em vista o desenvolvimento da economia e o bem-estar coletivo. As ideias de Alberto Pasqualini centravam-se numa plataforma reformista que tinha como objetivo transformar o “capitalismo individualista em capitalismo solidarista, com uma socialização parcial do lucro”. Pasqualini acreditava que a ação governamental deveria ser eminentemente pedagógica. A condução política far-se-ia pelo esclarecimento da sociedade, via mudança de mentalidade. O sistema educacional era, para ele, o caminho mais eficaz para realizar as reformas sociais, políticas e econômicas, superando assim o subdesenvolvimento do país. Sua concepção de Estado era a de que ele era fruto da evolução da sociedade. Ao fazer uso de uma analogia entre “cérebro e corpo”, o Estado é o cérebro da sociedade, o órgão mais especializado e complexo ao qual cabe um papel de direção e organização.

Portanto, as reformas necessárias ocorreriam por meio da mudança de mentalidade. Para isso era necessária uma reforma na consciência social, que diminuiria as práticas egoístas e as substituiria por ações solidárias, tais como cooperação, ordem, harmonia, lealdade, evitando, portanto, o confronto entre os interesses individuais (egoístas) com os interesses coletivos (morais). Pasqualini destacou principalmente a função moral do Estado: executar na prática o sistema solidário com suas especificidades. O trabalhismo está à esquerda no sistema capitalista, assim como era o oposto do liberalismo na década de 50-60 atualmente é o oposto ao neoliberalismo econômico hegemônico nos anos 90. Não visa acabar com o capitalismo, mas adapta-lo a realidade brasileira. Nesse sentido a regulamentação dos meios de comunicação conforme prevê a constituição de 1988 (§ 5º – Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio), ou seja, a não existência de oligopólio no setor de informação passa a ser fundamental para incentivar esses valores solidários e coibir as ações egoístas.

Conclui Pasqualini que a socialização integral dos meios de produção (socialismo soviético, cubano, chinês) no estado atual da humanidade, poderia trazer ainda outros inconvenientes, pois o Estado se tornaria todo poderoso e seria difícil encontrar homens perfeitos para geri-lo. Acreditava ele que a tendência era para aumentar as funções do Estado, evoluindo da função simplesmente policial à função social e à função econômica. Essa evolução, porém, está condicionada a um maior grau de perfeição dos homens. Por outro lado, não será demais observar que, se a forma socialista da produção pode ser desaconselhada, não será para atender aos interesses capitalistas, mas para atender ao maior interesse da própria coletividade. Será desnecessário esclarecer que há setores da economia onde a socialização ou a estatização se impõe. Não há hoje países onde impere o puro regime capitalista.

Assim como Pasqualini, outra referencia para o trabalhismo é Celso Furtado. Em um dos seus últimos artigos, Furtado deixa uma síntese de sua obra numa equação para uma estratégia de desenvolvimento nacional que são os pilares do projeto trabalhista brasileiro atualmente.

DESENVOLVIMENTO SÓCIOECONÔMICO = CRESCIMENTO DA RENDA E EMPREGO + POLÍTICA SOCIAL ATIVA

Atualmente, alguns pensadores formularam um novo termo para definir o aperfeiçoamento do projeto trabalhista, ou seja, o social-desenvolvimentismo que se baseia na associação entre aspectos econômicos e sociais em uma associação biunívoca. O social-desenvolvimentismo mantém o caráter progressista do nacional-desenvolvimentismo, mas como uma adaptação a um novo contexto marcado pela globalização. Procura fortalecer a associação entre povo e estado por meio da democratização econômica e reconhece que o papel do Estado deixou de ser fortemente interventor ou produtor para se tornar regulador ou indutor, isto é, por meio de planejamento indicativo e coordenação indireta. A nova tríade, que é uma evolução do nacional-desenvolvimentismo, consiste, portanto, em inclusão social – infraestrutura econômica e social – capacitação profissional.

A liberdade e a solidariedade são bem maiores para um povo. São como pernas. Uma precisa da outra para termos o equilíbrio. Apenas podemos ter desenvolvimento com liberdade. Liberdade de escolha. Da possibilidade que as pessoas têm de desenvolver suas capacidades inatas como seres humanos e indivíduos sociais. O desenvolvimento econômico e social passa, portanto, na democracia econômica e para isso as pessoas poderem ter acesso à saúde, educação, moradia, segurança, renda e cultura.

Para finalizar as palavras do trabalhista inglês Tony Benn sintetizam bem esse conceito: “acho que a democracia é a coisa mais revolucionária do mundo. Mais revolucionária do que ideias socialistas ou de qualquer outra pessoa. Se tiver poder, você o usa para prover as suas necessidades e as da sua comunidade. Essa é a ideia de escolha da qual “O Capital” fala constantemente: ‘Tem que ter uma escolha’. A escolha depende da liberdade de escolher. E, se estiver coberto de dívidas, não tem liberdade de escolha. Parece que o sistema se beneficia, se o trabalhador comum estiver coberto de dívidas. Pessoas endividadas perdem a esperança. E pessoas sem esperança não votam. Dizem que todas as pessoas devem votar. Mas acho que, se os pobres, na Grã-Bretanha ou nos Estados Unidos, [Brasil] votassem em pessoas que representassem seus interesses, seria uma verdadeira revolução democrática. E não querem que isso aconteça. Por isso mantêm as pessoas oprimidas e pessimistas. Penso que há duas formas de controlar as pessoas: primeiramente, assustando-as. E, em segundo, desmoralizando-as. Uma nação educada, saudável e confiante é mais difícil de governar. E acho que há um elemento no pensamento de algumas pessoas: Não queremos que as pessoas sejam educadas, saudáveis e confiantes. Porque ficariam fora de controle”.

Cássio Moreira é economista, doutor em Economia do Desenvolvimento (UFRGS) e professor do IFRS – Câmpus Porto Alegre