sábado, 25 de abril de 2015


Corruptos são os outros
Eduardo Mattos Cardoso
eduardomattoscardoso@gmail.com


Lecionar disciplinas de Ciências Humanas é um desafio. Primeiro porque são desvalorizadas socialmente. Para muitos alunos, pais e inclusive alguns professores de outras áreas é um conhecimento inútil. O que importa é saber ler, escrever e calcular o necessário, principalmente multiplicação. Segundo, porque mexe com questões de desigualdade social, práticas e comportamentos sociais, o que acaba muitas vezes por desconstruir mitos e desnaturalizar o “sempre foi assim”.

As aulas de Filosofia são surpreendentes. Diante de assuntos como caráter, ética e moral “o bicho pega”. Tomando como ponto de partida um tema atual, perguntei a meus alunos qual a diferença entre um caminhoneiro que suborna um policial e um empreiteiro que suborna um político. Num primeiro momento muitas respostas foram estarrecedoras. Disseram que o caminhoneiro se defende e que corruptos são os políticos.

Como assim? Na ótica sobre rodas turbinada, corruptos são os outros. Chega a ser surreal. Conversando com alguns caminhoneiros durante os protestos do início de março ficou escancarada a contradição. Vociferavam contra o governo e a corrupção enquanto achavam “normal” subornar policiais e agenciadores de carga. Questão de sobrevivência! E que sempre foi assim. Opa! Então a corrupção não foi inventada pelo PT. Alívio para os companheiros.

A constatação que se chega é que falta educação. Mas essa educação não é ensinada na escola. Essa educação vem de casa, vem do exemplo e das atitudes dos pais e da sociedade. Honestidade e comportamento ético vêm de um aprendizado que começa bem cedo. Mas só ensinar não basta. Tem que praticar. Esperar que a escola seja a redenção do país mascara a realidade.

Por isso, a tarefa do professor de Ciências Humanas se transforma num desafio babilônico. Ainda mais quando a cultura do levar vantagem e da avareza se alastram a qualquer preço.

Crônica publicada no jornal Fato em Foco do dia 27 de março de 2015.