terça-feira, 15 de outubro de 2013


Dia do Professor


 (por Tiago Martins do Sul21)


Esse violentar-se a si mesmo é “exigido” do milionário que vende a alma por dinheiro e aceita com tranquilidade o fato de que ele faz parte de um percentual minúsculo da população mundial que tem rios de dinheiro, enquanto uma grande parcela míngua de fome às margens da doença que é a humanidade. A mesma violência é imposta à faxineira que mora na Restinga e tem que sair de casa às 5 da manhã para limpar uma casa em Cachoeirinha e receber um valor indigno por mês. Violentar-se a si mesmo é negar-se a si próprio pelo dinheiro, trabalhar absurdamente e ser condicionado a achar que isso é normal, se mecanizar dentro deste modus operandi que não nos dá muito mais tempo para fazer qualquer coisa além de sobreviver e, quando sobra tempo, estamos a consumir como formigas enlouquecidas buscando atingir a grande ficção social que transforma em melhores aqueles que têm mais dinheiro, mais roupas, mais bens, mais status.Feliz Dia dos Professores para os professores conscientes que lutam, em sala de aula, pra que os nossos alunos, de alguma forma, fiquem distantes da violência que é o nosso modo de vida, para que consigam escapar o máximo possível de um mundo que aliena, que mata, que agride com suas leis, com suas normas, com suas crenças, já assimiladas e encaradas com normalidade por uma boa parte das pessoas. Aceitamos a violência, afinal violentar-se a si mesmo é o que nos exigem todo santo dia!

Feliz Dia dos Professores para aqueles que lutam contra a lavagem cerebral midiática e política que muitas vezes vemos ser a responsável por destruir o desejo daquele aluno que sonha fazer Filosofia ou Música, mas acaba escolhendo o seguro caminho do dinheiro. E quem vai culpá-lo, quando a culpa não é realmente dele?

Feliz Dia dos Professores pros professores que lutam contra esse modo de vida que é ensinado nas próprias escolas em que os professores que lutam ensinam… O sistema escolar atual, afinal, é uma fábrica de ideologia dominante. Ideologia que faz com que a gente – lotando os shoppings na véspera do dia da criança – prefira não pensar naquelas milhões de crianças que morrem pela fome ou pela violência, que faz com que a gente queira que o bandido que roubou sei lá o que seja morto, que faz com que a gente ache que o cara que não se deu bem na vida é fraco e incompetente e que qualquer oportunidade dada a ele é uma maneira de tirar as minhas oportunidades. Ideologia que faz com que os detentores dos meios de comunicação – os forjadores da opinião da maioria – achem horrível aquela pedra enorme que quebrou o vidro de um banco, mas não achem horrível o contra-cheque do professor que trabalha no Estado e está na rua lutando por um mínimo de dignidade.

Feliz Dia dos Professores para aqueles professores que lutam contra a monstruosidade intrínseca do mundo e, como esse monstro é histórico e gigantesco, acabam por sentir que estão nadando contra uma corrente implacável. E estão. E estamos!

Feliz Dias dos Professores para esses profissionais que ensinam por uma causa, que fazem da sala de aula um espaço de conscientização política e que são acusados de fazer lavagem cerebral por aqueles que querem manter o mundo como ele está.

Eu dou aula por um motivo. Não comecei a dar aula por isso, mas ao longo dos anos, especialmente nos dois últimos, percebi que é isso: Não dou aula para fazer o meu aluno passar no vestibular, muito menos para fazer com que ele entre na droga do mercado de trabalho. Eu dou aula para que os meus alunos fujam dessa racionalidade cruel que impera entre nós e sejam minimamente humanos. Eu dou aula tentando ensinar – mesmo que ainda esteja aprendendo – o que é liberdade e autonomia num mundo em que a verdade é nos dada nas mãos ou nos empurrada goela abaixo. No fundo, eu não sei se acredito que vá mudar alguma coisa, mas continuo fazendo…

Feliz Dia dos Professores para aqueles professores que não querem mudar o mundo, que repetem o status quo, que estimulam a ideologia, pois eles também são vítimas desse sistema, eles também são explorados!

Somos todos explorados, mas não nos unimos. Estamos cada vez mais distantes uns dos outros, pois as ficções sociais que construímos, os rótulos que servem para nomear nos dividem tanto (negro, homossexual, normal, anormal, deficiente, mulher, homem, pobre, empregado, patrão, mestre, doutor, travesti, transexual, aluno, professor, gordo, magro, rico, na moda, fora da moda, artista, bonito, feio, etc etc etc) que esquecemos que somos todos uns perdidos, uns medrosos, uns humanos.

Feliz Dia dos Professores para quem entende que todas essas coisas estão ligadas e que educação é tudo isso aí acima, e se não for…. pra que que serve ensinar?

E Feliz Dias dos Professores, finalmente, para os alunos que fazem com que a gente, no dia a dia da profissão, pela responsabilidade que tem sobre eles, acabe tendo uma forte lição do que é ser responsável pelo outro, do que é amar o outro.


Tiago Martins é professor de Literatura; Escritor e Mestre em Literatura Comparada pela UFRGS.